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Ambrose Evans-Pritchard (via Pedro Arroja):
Professor Christopher Sims, a US expert on monetary policy, said EMU policy makers had not sorted out the basic design flaws in monetary union, and are driving Club Med nations into deeper trouble by imposing pro-cyclical austerity.
"If I were advising Greece, Portugal or even Spain, I would tell them to prepare contingency plans to leave the euro. There is no point being in EMU if all that happens when you are hit with a shock is that the shock gets worse," he said.
"It would be very costly to leave the euro, a form of default, but staying in the euro is also very costly for these countries. The Europeans have created a system that is worse than the Gold Standard. Countries are in the same position as Latin American states that borrowed in dollars," he said.
Durante o meu ritual matinal de leitura diagonal da imprensa deparei-me com um interessante título no DN: “Governo torna estágio de advogados menos exigente”. Ao ler o corpo da notícia apercebi-me do seguinte:
- O estágio vai passar a ter a duração de 1 ano e meio ( em vez de 2 anos);
- Os estagiários estarão sujeitos a apenas a uma avaliação, no final do estágio;
- O mestrado será obrigatório para o acesso à Ordem dos Advogados (OA).
Bem, a licenciatura em Direito tem a duração de 4 anos. São 4 intensos anos de formação jurídica e cívica em que os alunos passam grande parte do tempo a ouvir que a verdadeira formação acontecerá no período de tirocínio. Entretanto, numa universidade pública, as propinas anuais rondarão o valor dos € 1.100,00 anuais, fora o valor semestral dos livros e materiais afins, que será de cerca de € 400,00/ €500,00. Findo o período de licenciatura, o estudante de Direito sabe que o mercado está saturado mas aventura-se e procura estágio. O estágio remunerado parece um sonho para muitos finalistas. Na verdade, o que mais há são escritórios que ou não pagam o valor do trabalho dos estagiários porque entendem que a oportunidade que lhes oferecem é valiosa o suficiente ou só contratam estagiários com a 1ª parte do estágio da OA já concluída. Além disto, há sociedades de advogados que não aceitam estagiários que pretendam frequentar o mestrado, alegadamente por razões ligadas à eficiência daqueles.
Ademais, posso dar-vos conta de um caso concreto que ocorreu comigo: ao contactar um Professor da Universidade Católica para saber das condições de um mestrado que pretendia frequentar, fiquei a saber que não aceitam mestrandos que se encontrem a trabalhar. Para que saibam, o mestrado na Católica custará cerca de € 7.650,00, pelo que infiro que só quem seja abastado ou quem se possa endividar estará em condições de o frequentar. Na minha faculdade de origem (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – Clássica) o mestrado é sensivelmente mais barato, tem o valor de € 2.200,00. Claro está que muitos dos recém-licenciados optarão pelo ingresso no mercado de trabalho, atentos os gastos na sua formação, principalmente numa conjuntura recessiva como a actual, em que muitos pais olham para a formação dos seus filhos como um investimento em sentido próprio. Para não mencionar, é claro, aqueles que nem sequer vislumbram a possibilidade de fazer ingressar os filhos numa qualquer universidade, por falta de meios.
Sempre fui apologista do aprofundamento de conhecimentos e, em bom rigor, o mestrado funcionará como uma vantagem comparativa no acesso ao mercado de trabalho, o que me parece algo normalíssimo, atento o funcionamento do mercado e a própria concorrência entre os agentes. Naturalmente, este estará ao alcance apenas daqueles que o podem pagar. Mas se forem aprovadas as alterações acima elencadas ao Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), o mestrado vai passar a ser obrigatório para o ingresso na OA.
Os mestrados têm a duração de 2 anos, por via de regra. Caso se torne obrigatório o grau de mestre para o acesso à OA, tudo somado, será de esperar que só 6 anos depois da entrada no ensino superior é que os interessados poderão, por fim, iniciar o tirocínio que os habilitará, 1 ano e ½ depois, a ser advogados. 7 anos e ½ de chulice, percebi bem?
Inquieta-me ainda o seguinte: O mestrado terá de ser em Direito? E se eu decidir, sendo escrupulosa, tirar o mestrado em Economia ou Gestão, de forma a diversificar os meus conhecimentos e enriquecer o meu percurso e curriculum, sem querer ficar à mercê do jogo da oferta e da procura? A OA também vai condicionar estas escolhas? É que o presente aconselhou-me a ser cautelosa e, como sublinhei supra, o Direito está longe de ser um paraíso de empregabilidade e a exigência de fazer o mestrado, ainda por cima em Direito, parece-me inadmissível na medida em que tenho o direito de auto-determinar as minhas escolhas a esse nível.
No fundo, o que isto confirma é o fiasco do processo de Bolonha, uma vez que desconsidera, sem qualquer tipo de pejo, a licenciatura e culminará ainda na “banalização” do mestrado, sendo certo que surgirão uma série de programas miseráveis de mestrado nas 1001 universidades da tanga que pululam por cá.
Entretanto, ocorreu-me o seguinte: Aquando da saída da Troika, o Governo emitiu um acervo de intenções que denominou, para inglês ver, The Road to Growth. Consta desse documento, mais propriamente da página 29, o seguinte:
Acesso às profissões
O Governo empreendeu um conjunto de ações para desregulamentar as profissões e eliminar restrições excessivas impostas pelas associações públicas profissionais. Embora tenham um papel importante na garantia da qualidade do serviço e dos padrões éticos, estas associações podem também gerar restrições excessivas. O novo regime jurídico das associações públicas profissionais, aprovado em 2013, estabelece requisitos e regras mais razoáveis aplicáveis a 18 profissões de relevo de interesse económico (como médicos, advogados e engenheiros). Destacam-se períodos de estágio mais curtos e a realização de menos exames de aferição, entre outras alterações introduzidas para reduzir as restrições ao acesso a estas profissões. Embora o diploma que consagra estas alterações já esteja em vigor, nos próximos meses, o Governo terá ainda que proceder à harmonização dos estatutos das associações com as disposições do novo regime. Foram já tomadas medidas nesse sentido, incluindo a elaboração de propostas-de lei de alteração dos estatutos e a abertura de negociações bilaterais com as associações profissionais. Prevê-se que este processo fique concluído até ao final de 2014.
Parece brincadeira, não é? Diria que dão com a mão estatutária, diminuindo em 6 meses o estágio e eliminando 2 exames, muito menos do que retiram com a mão substantiva, uma vez que passam a exigir o mestrado para o estágio em vez da licenciatura.
Ora bem, menos exigente? Para quem?
Só nos exigem um mestrado. São só mais dois anos a malhar, só porque sim. Mais dois anos de propinas, livros e despesas afins, relatórios, teses, e avaliações em várias disciplinas. O estágio fica reduzido em 6 míseros meses mas os emolumentos, que rondam os € 700,00 será que serão reduzidos também?
Mudam-se as vestes, mas o problema subsiste. No fundo, continuamos todos a alimentar as rendas dos masters of puppets.
O odor bafiento do Marinho e Pinto & Companhia já havia tornado os ares da OA irrespiráveis mas se isto continua assim eu juro que haverá sangue.
Atenção, qualquer semelhança entre a reportagem de Sónia Simões no novíssimo Observador e este texto de 2011 (não) é mera coincidência.
É pena.
É confrangedor perceber que nem nas celebrações dos 40 anos do momento fundacional do regime, em pleno parlamento, a oposição aplaude o Presidente da República, que é suposto ser o símbolo máximo do Estado, independente da jogatana partidária, e cujo discurso, em boa parte crítico do actual governo, poderia até ter sido proferido por alguém como Jorge Sampaio ou Mário Soares. Os republicanos e os socialistas insistem que o Presidente da República é um símbolo apartidário mas só o é quando é de Esquerda? Ele há coisas que não percebo mas vou-me indignando, como Ferreira Gullar, sabendo apenas por certo o seguinte: " Sei que dois e dois são quatro, sei que a vida vale a pena, mesmo que o pão seja caro e a liberdade, pequena."
O Fernando Tordo decidiu, aos 65 anos, partir para o Brasil, onde irá, de acordo com as fontes noticiosas, dinamizar um espaço cultural no Recife. Diria que não há nada de errado nisto, exceptuando o facto de fazerem do acontecimento uma efeméride, apesar do vácuo noticioso a tanto nos ter já habituado.
Esperem, que isto afinal não é bem assim. Decidiu-se metamorfosear este momento num outro. Vejamos:
Fernando Tordo alega, em directo, no momento do seu lânguido farewell, que Portugal não é suportável, que não está triste com ninguém, mas que este país, que agora deixa, não lhe dá oportunidades. Retorquindo à questão que lhe foi colocada pela jornalista, em que lhe foi perguntado, em tom algo jocoso, se seguia o conselho de Passos Coelho, Tordo demonstra o desdém que tem por PPC dizendo que este não tem tamanho para dar conselhos a ninguém, que é muito pequeno. Certo.
Afinal, aquilo é isto. Só que não. Não é.
O Vítor Cunha, do Blásfémias, revelou que a empresa em que Fernando Tordo é sócio-gerente recebeu, desde 2008, mais de 200 mil euros, 10 mil euros dos quais este ano, pela produção de vários espectáculos. Também não me parece que haja nada de errado nisto, exceptuado o facto de todos os espectáculos terem sido objecto de ajustes directos por parte das entidades adjudicantes.
Tordo explica que deu emprego a 26 músicos, técnicos de luz e som e que, do total das adjudicações directas feitas à sua empresa, recebeu apenas 10%.
Acrescento ainda que Tordo voou para o Brasil mas voltará em Abril, altura em que actuará, a dia 25, num espectáculo no Centro Cultural do Alto Minho, em Viana do Castelo.
Très bien. E agora? Agora fazemos um breve rewind.
Tordo, prenhe de auto-comiseração, diz que não tem oportunidades em Portugal.
Ora, a mim parece-me que Tordo beneficia de uma posição supra-legal, indevidamente conferida pelas entidades com as quais contratou, em que o cumprimento da lei e dos procedimentos pré-contratuais necessários parecem ser um óbice ao desenvolvimento da sua actividade. Ademais, não dá para tolerar a desfaçatez, a impudência e a falta de gratidão de um indivíduo que tanto deve ao país que agora deixa.
Fernando Tordo não é um coitadinho. Tordo parece-me ser um biltre mas, hoje, todos dele se compadecem.
Voltemos à arena mediática:
A Carta ao Pai , publicada no Público. Compreendo que cause comoção a alguns o desabafo do filho de Tordo, um escritor, que entendeu ser necessário defensar a honra do seu pai publicamente, após ter lido no facebook comentários desagradáveis acerca da ida deste para o Brasil mas, porra, a sério? Poupem-me. Se, de facto, como diz o filho: "Tudo isto são coisas pessoais que não interessam a ninguém, excepto à família do senhor Tordo” por que raio escreve uma carta pública? Quando quero falar com o meu pai, dar-lhe força e transmitir apoio eu telefono-lhe ou vou lá a casa. Que raio de empáfia é esta?
Já para não falar da soberba do tipo, que escreve, e passo a citar: "Pouco importa quem é o homem; isso fica reservado para a intimidade de quem o conhece. Eu conheço-o: é um tipo simpático e cheio de humor, que está bem com a vida e que, ontem, partiu com uma mala às costas e uma guitarra na mão, aos 65 anos, cansado deste país onde, mais cedo do que tarde, aqueles que o mandam para Cuba, a Coreia do Norte ou limpar WC e cozinhas encontrarão, finalmente, a terra prometida: um lugar onde nada restará senão os reality shows da televisão, as telenovelas e a vergonha."
"Uma mala às costas e uma guitarra na mão". Coitado do pobre senhor Tordo. Abandona o país ciente de que tem de se libertar dos grilhões desta governação, sente-se explorado, cansado, deu tanto a Portugal e recebe apenas 200 euros de pensão. É triste, muito triste. Só que eu e vocês sabemos que não é bem assim. Mas há de ter soado bem e há que deixar o escritor escrever. Deixar o artista expressar-se.
João Tordo tenta ainda um breve diagnóstico político-social e conclui que a geração do pai tudo fez para construir um país melhor para os filhos e netos e que a classe política governante "fez tudo para dar cabo deste país. Não posso comentar isto agora. Sim, é melhor não. Avante.
Fernando Tordo replica, no facebook, ao filho, dizendo: "Não entristeças, João".
Os Tordos querem dar a esta viagem um sabor de coup de grâce ou torná-la num manifesto mas a tentativa falhou. Falhou, senhores.
Não quero, de todo, com este texto, descredibilizar a análise feita por Fernando Tordo. De facto, Portugal está insuportável, mas não é para ele. Portugal tem uma classe política que se vê, quer-me parecer, obrigada a injectar esperança nos portugueses, mormente por via dos indicadores macroeconómicos e das análises feitas pelos especialistas e artigos no Financial Times, porque sabe perfeitamente que os efeitos desses sinais positivos na economia real e no consumo só se darão sabe-se lá quando. Bem sei que Portugal está na ruína. A minha geração nasceu com dívidas e morrerá com elas devido à geração do senhor que se diz agora sem oportunidades.
A si, senhor Tordo, desejo-lhe a felicidade mas não me compadeço. Não posso admirar-lhe a coragem porque a geração dos seus filhos, que é a minha, é uma geração sem oportunidades, em que a resiliência e a coragem são nossos apelidos, graças a si e aos seus.
Senhor Tordo, não ter oportunidades é começar por não ter dinheiro para pagar senhas de almoço na escola primária; não ter oportunidades é não ter dinheiro para pagar uma licenciatura; não ter oportunidades é não ter possibilidade de contrair um empréstimo bancário para concluir os cursos, porque os bancos agem de sobreaviso e está declarado o fim da era do “crédito barato”; não ter oportunidades é, concluída com suor uma licenciatura, não ter emprego; não ter oportunidades é não poder formar uma geração vindoura; não ter oportunidades é ter medo de ter filhos e assistir ao envelhecimento progressivo da população; não ter oportunidades é viver em casa dos pais até aos 40 anos; não ter oportunidades é fazer contas aos descontos para a Segurança Social que perceber que daqui a 20 anos a palavra reforma é coisa do passado; não ter oportunidades é não poder pagar o passe; não ter oportunidades é comer pão com pão durante semanas.
A sua geração, senhor, rebentou-nos as costuras e, agora, estamos como vê, numa situação tão decrépita que fazemos notícia, na nossa televisão pública, da história de um cagão que faz milhares de euros em Portugal, em espectáculos, ao arrepio da lei e decide ir para o Brasil dinamizar um espaço cultural e se dá ao luxo de dizer que Portugal não lhe dá oportunidades.
Adeus, tristeza, até depois.
Acabou de ser aprovada, na nossa câmara dos representantes, a proposta de referendo sobre a co-adopção e adopção por casais do mesmo sexo.
Confesso que, até há pouco, quis acreditar que isto não passava de uma brincadeira de mau gosto, mas agora o efeito perverso da intromissão da JSD no seio do Parlamento começa a sentir-se.
É de uma má-fé incrível que, quase um ano após a aprovação da proposta do PS para a coadopção por casais ou unidos de facto do mesmo sexo, com 99 votos a favor, 94 contra e 9 abstenções, se pretenda unir esta vitória (que não é apenas do PS mas sim das crianças e dos coadoptantes, que teriam um quadro jurídico adequado às suas especificidades) a uma questão que se apresenta distinta e que, ademais, já foi chumbada duas vezes pelo Parlamento, e submetê-las, como se de uma questão una se tratasse, a referendo.
Só mesmo uma pobre massa encefálica como a de Hugo Soares para propor isto.
Pior, só mesmo o PSD, impermeável ao voto de muitos dos seus deputados (veja-se a demissão de Teresa Leal Coelho, que iria votar contra a proposta e não o fez por motivos ligados não à sua convicção mas à “lealdade parlamentar”, das funções de vice-presidente da bancada), a impor uma disciplina de voto sob a batuta da JSD. Disciplina essa altamente contestada – note-se que vários dos deputados, nomeadamente, Mónica Ferro, Miguel Frasquilho, Mota Amaral, Cristóvão Norte, Paula Cardoso, Ana Oliveira, Ângela Guerra, Sérgio Azevedo e Conceição Caldeira, decidiram apresentar declarações de voto.
A conformação de um voto de forma a evitar a deslealdade parlamentar é um exercício de subversão daquilo que é a efectiva representatividade. Na realidade, o que se aprovou hoje na AR transcende quaisquer querelas ideológicas, teoremas conflituantes e métodos contrapostos. Hoje foi um dia de vergonha ao nível da representação, hoje foi um dia em que se deixaram inúmeras famílias reais, denominadas não convencionais, nas mãos de uma decisão popular, pouco esclarecida e, arrisco dizer, algo preconceituosa.
Num Estado de Direito, no plano do dever-ser, seria inconveniente e inaceitável a corrupção das normas legais que brotam dos regulamentos, dos estatutos, das leis orgânicas, enfim, de toda a panóplia de fontes legais que servem o interesse público e cujo teor é geral e abstracto. Isto vocês sabem. Eles não. Esperemos que o TC aprecie devidamente esta borga de mau gosto.
Ora, na lei orgânica do referendo é restringida a possibilidade de serem referendadas duas matérias distintas, de uma única vez. Cumpre acrescentar ainda que apenas uma destas matérias, a da coadopção, tem um processo legislativo em curso, uma vez que a relativa à adopção foi chumbada duas vezes. A proposta aprovada submete a referendo duas matérias que, não só são distintas, como não são, pela sua natureza, referendáveis. Não são, lamento. Trata-se, como diz Isabel Moreira (God forbid, estou mesmo a concordar com ela. Um dia teria de ser), de uma questão que envolve direitos fundamentais e que põe em causa uma série de instituições que zelam pelos mesmos. Não é relevante, para o caso, que o direito à coadopção seja um direito de minorias (adoptada a perspectiva dos casais homossexuais) ou respeite ao superior interesse das crianças. O que importa aqui é dar abrigo à realidade que vige acima das nossas crenças.
Hoje não se respeitaram os trabalhos que decorreram na especialidade pelos deputados do CDS, do PS, do PCP, do BE e do PSD. Hoje a AR fez tabula rasa dos trabalhos desenvolvidos no passado ano de modo a elucidar o voto dos deputados. Hoje foi olvidada a votação na generalidade que aprovou, a 17 de Maio de 2013, a possibilidade de coadopção por parte de casais do mesmo sexo. Hoje, um dia em que tanto se falou de lealdade, esta não foi observada.
O que aconteceu hoje foi uma demissão, por parte da AR, da discussão de um tema complexo que tem repercussões emocionais e práticas na vida real de muitos cidadãos.
Isto não é um exercício são de democracia, isto não é representar, isto não é nada.
Hoje foi um dia de vergonha para a democracia representativa.
No seguimento deste post de Mário Amorim Lopes, senti-me impelida a visitar o site do PS. Fi-lo e, nos dedos que orientavam a minha curiosidade ao abrir a secção denominada Marcas de governação, sentia um formigueiro próprio de quem quer ser arrebatado pela surpresa. Fiquei, efectivamente, admirada. Ora vejam:
"PS PROPÕE E FAZ
Consolidámos as contas públicas
1. Reduzimos o défice orçamental para valores nunca antes atingidos. Entre 2005 e 2008, o défice orçamental passou de 6,1% (implícito: 6,8%) para 2,6%, o valor mais baixo da Democracia.
2. A consolidação orçamental deixou-nos melhor preparados para responder à crise. Foi por ter resolvido, em tempo útil, a crise orçamental recebida em 2005 que o Estado dispôs de margem para responder à crise económica mundial, apoiando as famílias e as empresas.
3. A consolidação orçamental fez-se através de reformas estruturais. Procedeu-se à convergência entre o regime de Proteção Social dos trabalhadores da Administração Pública e o dos trabalhadores do setor privado. Foi aprovada a reforma da Segurança Social, assegurando a sua sustentabilidade. O Serviço Nacional de Saúde geriu rigorosamente as verbas afetadas, terminando com a crónica derrapagem das suas contas."
Atendendo, em particular, aos pontos 2 e 3 desta subsecção parece-me que os indicadores sócio-económicos nos enganaram, que o despesismo desenfreado é uma taxpayer-friendly policy, que a bancarrota e a dívida pública são uma produção fictícia e que a política de salvação nacional foi, afinal, orquestrada por José Sócrates. Aqueles que herdaram tamanha responsabilidade não souberam, no fim de contas, dar continuação à proeza.
Pronto, a ironia da situação é bastante de per se. Isto é, na verdade, uma coisa feia. Muito feia. Em bom rigor, não é a retórica socializante que me causa repulsa, é, antes, esta patologia que grassa no quadrante, convicto de que se repetir muitas vezes a mesma mentira esta se torna verdade, ao jeito goebbeliano.
"O melhor regime político é aquele que permita com mais segurança e facilidade o jogo livre e natural das forças (construtivas) sociais, e que com mais facilidade permita o acesso ao poder dos homens mais competentes para exercê-lo. É escusado acentuar que esse regime variará de nação para nação, e, em cada nação, de época para época.
Sucede com o regime democrático que, tendo, por sua mesma natureza, a primeira vantagem, é, por essa mesma natureza, o pior com respeito à segunda. A sua base liberal, dando azo a que as forças individuais se expandam sem constrangimento, garante a plena valorização destas forças, quanto nelas caiba. Mas o basear o seu sistema de governo num apelo a minorias, forçosamente ignorantes e incultas — ou absolutamente, ou pelo menos, em relação ao resto do país — faz com que o acesso ao poder seja quase limitado a homens dotados para dominar ou sugestionar as minorias, e as qualidade exigidas para esse fim não são as mesmas — são até por vezes contrárias — às que são exigidas para o governo da nação.
Se a transmissão de poderes da maioria para o governo tivesse nos dominadores e sugestionadores das maiorias, não o seu termo, mas um ponto intermédio — isto é, se os eleitos do povo fossem, não seus governantes, mas apenas os que escolheriam os governantes, eleitos não para governar mas para escolher —então se poderia admitir uma certa facilidade de acesso ao poder de homens competentes para exercê-lo. Não se pode porém esperar da fraqueza e do egoísmo humanos que os capazes de dominar empreguem essa capacidade simplesmente para fazer dominar outros; nem a vaidade que serve de base a toda a capacidade de domínio deixa de convencer o dominador da sua capacidade de governar também. O homem que domina multidões num comício facilmente se capacita que dominará números num orçamento. É um absurdo como lógica, natural como psicologia."
- Fernando Pessoa.
É usual, entre as massas, a ideia de uma correspectividade entre a Direita e uma espécie de elite de magnatas de cigarrilhas nos beiços e robes de seda. É frequente o esgar e o pasmo daqueles com quem me relaciono fora da lide política sempre que, de alguma forma, têm conhecimento de que não sou de Esquerda.
Com efeito, é tão comum como assustadora a subversão que prolifera ao nível da formação das vontades políticas dos jovens (e, admirem-se, dos adultos) em sociedades que se dizem evoluídas face às que as precedem.
Evitarei delongas sobre as múltiplas causas, para efeitos do presente escrito, todavia não posso deixar de notar que, no perímetro nacional, tanto o valioso legado de ’74 como o período que o antecede contribuíram fortemente para o acentuar de uma crise identitária que potencia graves consequências ao nível do sentido de voto, que é, no fundo e na sua vera essência, o exercício da cidadania por parte do povo, aquele que se entende ser (e alegadamente é) o verdadeiro titular do poder político.
O que é a Direita? O que é a Esquerda? Naturalmente, nesta sede, não me poderia propor, em perfeito juízo, à resposta séria de qualquer de estas perguntas. A única coisa que poderei dizer é que, seguramente, tratamos de realidades contingentes. Citando José Adelino Maltez: “A direita e a esquerda são meras posições relativas que só podem existir numa sociedade pluralista e democrática e, porque dependentes de um certo tempo e de um certo espaço, os respectivos padrões são quase tão variáveis quanto tais circunstâncias. A esquerda e a direita, mais do que pretensas posições geométricas, são posições políticas que surgem na dialéctica que se estabelece entre os princípios e a realidade. Não são ideologismos abstractos nem macro-teorias para deleite escolástico. Têm de ser fecundadas pela realidade e não podem ser meros conceitos estáticos.
Daí que antigas esquerdas passem a direitas e que antigas direitas se virem para a esquerda. Assim, os partidos da burguesia liberal que foram da esquerda transformaram-se depoisem direita. Domesmo modo, o comunismo ortodoxamente marxista-leninista que na Europa Ocidental, era a esquerda, transformou-se, no contexto daquilo que foi a URSS na direita instalada. Porque a direita e a esquerda são partes de um todo, diferentes perspectivas que se confrontam numa determinada sociedade, nunca nenhum regime autoritário, ditatorial ou totalitário se proclamou como de direita ou de esquerda. Pelo contrário, as degenerescências políticas antidemocráticas e antipluralistas são tendencialmente unanimistas e, em geral, proclamam que as divisões entre a direita e a esquerda estão ultrapassadas. Se o estar à direita, ou à esquerda, é sempre relativo a um certo espaço e a um certo tempo, já o ser de direita, ou de esquerda, aponta para o plano das crenças e dos princípios, ultrapassando, portanto, o mero circunstancialismo topográfico dos hemiciclos parlamentares e dos seus mimetismos sociológicos.”
Porquê a Direita?
Para mim, e, desde já, porque sempre me interessei por Filosofia, entendo que arvorar qualquer tipo de crença num ideal de homem “bom” é, além de errado, perigoso. Larga parte dos flops que resultaram da aplicação de determinados programas políticos teriam sido evitados atento aquilo que é o pessimismo antropológico. Segundo Hobbes: "man is a wolf to [his fellow] man."
Aflige-me o utopismo, essa confiança de que é possível aos homens, inerentemente egoístas, a criação de uma sociedade ideal. Não existem sociedades ideais, nunca vão existir, desde já porque não há sociedades sem homens e estes, verdadeiramente hedonistas, movidos por interesses, são tão desiguais entre si que transformam uma tal crença num nado-morto ab initio. Há que partir de uma base elementar de observação e ser-se realista. Não cabe àqueles que pretendem fazer política cogitar e filosofar sobre o que poderia ser mas sim pensar sobre o que é e, tendo como ponto de partida a realidade, adequar as suas convicções à factualidade existente. Ora, se os homens são, por natureza, desiguais, e têm, para já, o direito à diferença, para quê forçar um estatuto de putativa igualdade material? A igualdade formal entre homens existe perante a lei e essa é a solução correcta, atenta a dignidade da pessoa humana. Esta igualdade deveria existir também ao nível dos meios, das oportunidades, para que toda e qualquer pessoa pudesse livremente desenvolver as suas competências, mas nunca ao nível dos resultados, uma vez que isso redundaria num incentivo ao free-riding, na criação de ineficiências e na queda de uma sociedade assente na meritocracia. Assim, neste contexto, é importante o respeito pela propriedade privada, que entendo como sacrossanta.
Quanto ao Estado, entendo-o indispensável para a continuação das sociedades como as conhecemos e para a necessária manutenção do status quo. Não faço parte da crew Rothbardiana de anarco-capitalistas que rejeita a existência de qualquer instituição estatal, pois que me custa defensar a implementação da selva (em que a única lei que impera é a survival of the fittest) numa sociedade democrática que tem como pilar o respeito e a tutela da eminente dignidade da pessoa humana. Todavia, defender a existência de uma máquina Estatal, supra individual, não redunda num voto de confiança nessa mesma estrutura, precisamente porque o Estado é poder e o poder, nas palavras de Lord Acton, corrompe as pessoas nas quais o seu exercício está delegado. Há que desconfiar. Este Estado há que existir mas desengane-se aquele que pense que tratamos de um ente benevolente e desinteressado. Há que o limitar ao estritamente necessário, que, na visão de Friedrich Hayek, se prende essencialmente com assegurar a manutenção das regras de uma sociedade livre e providenciar bens e serviços que as instituições da sociedade, como o mercado, não produzem ou não podem produzir adequadamente. Mercado este que deve ser livre, não espartilhado pelas teias do poder do Estado. Existem mecanismos inerentes ao mercado que tratam de corrigir as suas ineficiências de forma menos danosa que os instrumentos criados para o efeito por parte do Estado, sendo que existem formas de intervenção que considero como um mal necessário, sem o qual acabaria por contradizer a ideia exposta supra de que se implementaria uma verdadeira selva. É o caso da regulação e da supervisão dos players do mercado, situação em que o Estado age como um garante da conformidade das entidades (fit and proper) e como um referee.
Acontece que, em determinadas situações e contingências históricas, o que enunciei anteriormente é, infelizmente, suplantado pelo estado de excepção, o tal que, segundo Carl Schmitt, é decidido pelo soberano. È assim que percepciono o actual estado de coisas, com o país submetido a um memorando de entendimento com a troika – inclusivamente negociado e assinado pelo Partido Socialista –, que em larga medida constrange a acção do governo e o impele no sentido de protagonizar políticas que muito discutivelmente se podem considerar de Direita. Afinal, e para concluir, como magistralmente sintetizou Alberto Gonçalves numa crónica no Diário de Notícias a propósito da eventual fiscalização dos pedidos de facturas em estabelecimentos comerciais, o que na verdade temos é um “Governo com aura liberal, hábitos socialistas e processos napolitanos”, o que, paradoxalmente, torna o CDS, no presente momento, simultaneamente actor – enquanto membro da coligação governamental – e opositor – ideologicamente – das políticas mais controversas deste Governo.
(Publicado originalmente in Ágora, blog do Gabinete de Estudos Res Publica do projecto Assumir Lisboa.)
Se querem que vos diga, queria que fosse diferente. Queria que o passar dos dias fosse menos apressado e o tempo mais generoso, menos exigente.
Atrasando a escrita destas primeiras palavras, pensei escrever, na minha estreia, um texto altissonante, repleto de considerações cáusticas sobre o anedótico quotidiano de modo a aguçar o apetite destruidor das hostes cibernéticas.
Deixo os pensamentos e a acutilância quedos, por ora.
Que o meu primeiro post não seja uma adaga, antes uma sentida homenagem ao pai do Samuel, nas palavras de Herberto Hélder, que regressa hoje às livrarias.
“Li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
na política,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos dedos para tantos
objectos do mundo
e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega,
pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia,
ponham muito alto a música e que eu dance,
fluido, infindável, apanhado por toda a luz antiga e moderna,
os cegos, os temperados, ah não, que ao menos me encontrasse a paixão
e eu me perdesse nela
a paixão grega.”
- Herberto Hélder.
Obrigada Samuel, por partilhares connosco as paixões do senhor teu pai. Que descanse em paz.