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Existe na generalidade dos povos, um recôndito desejo reverencial pela espectacularidade do poder e em Portugal, a rainha D. Maria Pia foi quem talvez melhor compreendeu a essência das funções que lhe estavam destinadas como consorte do soberano.
Sendo Portugal um país de escassos recursos materiais que proporcionassem a existência de um meio cortesão que pudesse equiparar-se ao das dinastias reinantes nos grandes países europeus, beneficiava contudo de um estatuto garantido pela íntima relação familiar que colocava os Bragança no restrito grupo formado pelos Bourbons, Habsburgo e Sabóia. Profundamente interligadas por séculos de alianças matrimoniais, as casas reinantes
da Europa podiam mesmo ser consideradas como entidades onde o nome de cada uma as identificava num contexto geográfico e político, embora os laços de parentesco fossem iinvariavelmente de uma proximidade tal, que as tornavam numa única e grande família supranacional.
O estatuto da dinastia portuguesa não advinha apenas da antiguidade da Casa de Bragança, mas também do próprio percurso histórico trilhado por um país já antigo, detentor de um desconcertante passado de glórias ainda ao tempo testemunhadas pela posse - mesmo que teórica - de um importante património imperial no além-mar.
Se as atitudes ou a forma de reagir a contingências derivadas da sempre imprevisível situação política em galopante evolução no mundo de oitocentos, podia ser ditada pelo chamado "espírito do século", era contudo impossível impedir a manifestação do carácter das principais personalidades que eram o símbolo visível de um poder também ele em mutação.
A rainha Maria Pia gostava daquela especial forma de exercício do poder que sempre foi, ainda é e para sempre será reconhecido, através de uma convenção tacitamente por todos aceite e que impõe a cerimónia da distância inatingível, mas que simultaneamente se aproxima das massas curiosas e sensíveis à identificação com símbolos que a todos irmana nessa cumplicidade que identifica as nações.
Esta rainha foi como uma bandeira, um hino ou uma prolixa declaração de grandes princípios e durante décadas, confundiu-se com o próprio Estado interiorizado então de uma forma por nós hoje dificilmente compreensível: era a Coroa, algo que nos nossos dias apenas poderá ser identificável numa muito legalista e cerimoniosa Inglaterra.
Era teatral, gostava do fausto pelo que este significava de prestígio oferecido a alguém que encarnava a grandeza de uma nação. A rainha compreendeu que as massas não se impressionavam com a banalidade dos homens públicos que por entre os negócios do Estado cerziam as suspeitas cumplicidades propiciadoras de súbitos enriquecimentos que faziam erguer palacetes, angariavam numerosa criadagem e ofereciam uma bastante discutível imagem daquilo que era o gosto da época. Maria Pia de Sabóia encarava a realeza como um palco onde os actos se sucediam ininterruptamente, sendo todos eles merecedores de uma particular relevância imposta por um público atento e implacável crítico.
Gastava e podia ser generosa à medida do orçamento imposto pela escassez da dotação real que não era actualizada há quase meio século, recorrendo-se quando possível, aos rendimentos particulares da Casa de Bragança. Foi assim que os portugueses conheceram Maria Pia, ombreando com orgulhosas beldades coroadas do seu tempo e muitas vezes ofuscando-as com o seu porte soberano e o bom gosto que todos lhe reconheciam. Estivesse nas Tulherias ao lado de uma Eugénia de Montijo, ou na Hofburg com a prima Isabel, imperatriz da Áustria, a rainha portuguesa sabia sobressair num meio infinitamente mais opulento àquele que Lisboa conhecia. Mesmo nos actos reservados às senhoras que num certo meio social eram obrigações naturais, a rainha fazia-se notar, estudando os locais onde se realizariam as cerimónias das quais seria o alvo de todos os olhares. Um ponto de luz, a cor ideal para o vestido com que se apresentaria, o séquito, tudo era meticulosamente preparado com a única finalidade do pleno cumprimento da obrigação imposta pelas suas funções. Filha de um agnóstico e suspeita de anticlericalismo, Maria Pia alardeava uma devoção que provavelmente se limitava aos aspectos exteriores do culto, à cerimónia imposta por mais um serviço protocolar, este sagrado e numa época em que a própria família italiana se encontrava em aberto conflito com um Vaticano que perdera o poder temporal. Ao contrário da sua nora - a futura rainha D. Amélia -, não se prendia a pensamentos profundos e a aspectos literários ou filosóficos que justificavam uma Fé em pleno século de todas as contestações e dúvidas. Se Amélia de Orleães era de uma religiosidade que hoje poderemos considerar eivada de um certo regalismo que advinha do percurso atravessado pela França natal ao longo de dois séculos, Maria Pia interessava-se pela posição que lhe competia impor no seu papel soberano, como a primeira entre as devotas e sem mais intermediários entre um distante deus e ela própria. Era a rainha e fazendo com que todos o notassem, isso bastava-lhe.
Numa Europa que iniciava o caminho da assistência social propiciada por um Estado até então afastado de preocupações tradicionalmente atribuídas à Igreja e concomitantes obras beneméritas, a função da caridade - assim se chamava a solidariedade no tempo dos nossos bisavós - era o suprir ou aliviar das grandes desigualdades presentes numa sociedade geralmente indiferente à sorte do outro. O crescimento das cidades e o enorme afluxo de populações que abandonavam os campos, criou uma nova realidade que impôs a evolução desta caridade para algo mais permanente e que implicava a organização de estruturas e um programa de acção. Maria Pia pode ser situada num período de transição na época liberal e que entre nós conheceria na sua nora, a primeira grande impulsionadora daquilo que seria a assistência social no século XX.
"A rainha evitou a política e quando interveio, foi no estrito limite ditado pelas suas obrigações constantes no articulado constitucional - a regência -, ou, na sua conhecida reacção ao golpe de Saldanha que antes de tudo, significava aquilo que a soberana considerava ser o enxovalho da dignidade real, logo da Carta e do próprio Estado. O rebaixamento da dignidade da sua condição de rainha - e em tudo o que o conceito significa -, isso jamais admitiu".
Foi sem qualquer tipo de contestação, o elemento mais popular da família real portuguesa nas últimas décadas de vigência do sistema monárquico-constitucional. Era uma imagem perante a qual todos reverenciavam uma certa ideia feita acerca de um esplendor que há muito se perdera, mas que nela era natural e perene.
Morreu longe de Portugal e ainda hoje se encontra injustamente exilada de uma terra, onde nem a brutalidade e maledicência republicana ousou afrontá-la. O país do qual sempre se considerou parte e os descendentes daquela gente que tanto lhe quis, merecem bem essa reparação que antes de tudo é moral.
Tenham as autoridades o sentido de Estado que tantas vezes lhes falta, repatriando a rainha Maria Pia para junto dos seus.
Nas imediações da Luciano Cordeiro/largo das palmeiras/Rua de Andaluz, aparecem desde há meses cestinhas cheias de ovos cozidos partidos ou semi-cozidos a deixarem escorrer a gema, acompanhados por garrafitas cheias de líquidos enigmáticos e folhagens suspeitas. Trata-se decerto de um feiticeiro "trabalho de desamarração" deste escandaloso projecto autorizado pela vereação do urbanismo da CML. Os saltinhos de pânico que os pobres transeuntes fazem para evitar pisar na maldição, seria coisa bem digna de ser filmada por um daqueles gadgets tecnológicos das "fake" notícias que geralmente são verdadeiras. A coisa é tão má que nem sequer os gatos da rua se atrevem a degustar tal mixórdia.
Oxalá esta makumba não surta o efeito desejado e assim se evite a escabrosa demolição por atacado destes magníficos oito edifícios de época, a tal época maldita própria dos "gajos das pedrinhas" como o tal salgalhado gosta de dizer.
1. Naturalmente acossado, o primeiro-ministro tem andado ocupado a apagar os incêndios de imagem que o laxismo e uma certa sobranceira auto-suficiência do seu próprio executivo terá permitido. É uma realidade que não escapa nem aos próprios socialistas que muito mais terão para fazer do que embrenhar-se em desculpas cujos farrapos não cobrirão um só dedo de quem está ao leme da governação. Seria mais simples, digno e credível assumirem os erros que todo o país já compreendeu. Isto é tão válido para os actuais governantes, como para todos os outros do passado e do futuro, pouco interessando o nome do partido.
Dizia António Costa que a reconstrução das segundas casas, ou seja, aquelas que um dia terão dado tecto à infância de portugueses que da terrinha saíram em direcção a paragens mais auspiciosas, têm o seu vital quinhão de importância na manutenção de uma certa identidade de cada um dentro deste exíguo território que é o nacional. Tem ele toda a razão e embora seja evidentemente um escasso pecúlio a apresentação de uma verba de 5.000 Euros para fazer face a despesas que inevitavelmente envolverão as infra-estruturas de cada um das casas, o erguer de muros, o forro de chão, telhados e uma infinidade de detalhes nada e essenciais à criação de condições de habitabilidade. É a verba possível, é verdade.
Pelo que se vê, habituados a transferências directas através do computador caseiro, uma vez mais não fazem a menor ideia do que são obras em casa. Convenhamos que 5.000 Euros são pouca coisa e deveremos então ficar naquela posição incómoda de nos apercebermos o quão distante estarão os decisores acerca da realidade do dia a dia, dos orçamentos, preços de materiais e da mão de obra nacional que deveria ser bem paga, garantindo a própria sobrevivência da mesma. O que mais impressão causa, é um certo alheamento que não poderá ser desligado de um infinito conjunto de actividades que facilmente deveria, num Estado interessado e competente, ser politicamente entendido como convém. Neste momento deveria estar o país a ser mobilizado para uma campanha mais vasta, onde os fundos são o ponto essencial de encontro para muitas, senão a maioria, das soluções. É esta a função de um governo, seja ele qual for. Infelizmente tal não tem acontecido ao longo de muitas décadas, vive-se semanalmente, esperando pela sondagem da sexta-feira.
Muita sorte têm aqueles que por cá ou vindos de França, da Alemanha, Bélgica ou Luxemburgo, poderão quando puderem ou quiserem, visitar a terra e com a passagem dos anos, a cada vez mais idealizada casa que os viu nascer. Fica longe? Nem por isso, está apenas a uma distância de poucas horas, pois o sempre sonhado regresso, o retorno, é um mero componente da vontade.
É fácil perceberem o que aqui se escreve.
Exige-se competência e abnegação, não havendo lugar para o tradicional improvisar.
2. Também como conviria, o MNE tem actuado de forma discreta quanto aos portugueses da Venezuela. O correspondente secretário de Estado tem visitado o país com a regularidade possível e finalmente ouvimo-lo declarar diante das televisões, estarem dispostos a incluir no serviço de assistência pública todos os necessitados que a ele acorram. Esperemos então pelos actos que confirmem palavras que não poderão ser vãs devido à reconhecida inércia que caracteriza muitas das políticas públicas que não envolvam a recolecta de dinheiro. Fica no entanto aquela nebulosa situação da presença física dos futuros beneficiários, se permanecem na Venezuela ou serão para alguns desagradável e inevitavelmente transportados para Portugal e não apenas para a Região Autónoma da Madeira. Dourando a pílula, vejam-nos como números que ajudarão a repovoar algumas zonas do país, assim talvez entendam.
Dir-se-ia existir a maior relutância quanto à palavra evacuação e mais ainda, refugiados. São mesmo refugiados, a maioria deles em condições deploráveis. Dado o que se sabe acerca da imparável deterioração da situação geral naquele país, aconselhar-se-ia o estabelecimento de um plano sólido que acorra às eventualidades que talvez se precipitem sem anúncio prévio.
Neste caso, também não há lugar para o improviso.
1. A meio do dia almocei na tasca do sr. Oliveira e no preciso momento em que sabia estar a decorrer a votação no parlamento catalão, pedi-lhe que sintonizasse o 212, pois o homem tem contrato com a NOS. Segui com espanto toda aquela indigna trapalhada para lamentar, sobressaindo entre tudo a ostensiva e vergonhosa cobardia em modos de ópera bufa diante de meio mundo, a visível cobardia no momento exacto quando após a saída em massa da oposição, os que ficaram exigiram proceder à votação pela primeira vez em segredo, temendo a consequência cível do acto. Os que votaram no!, agora apodados de traidores, fizeram questão de mostrar à imprensa o seu súbito encolher de nádegas. Uma barriga satisfeita sempre é uma barriga satisfeita, o resto é marginal. Edificante independência e pobreza de espírito, sem dúvida. Cobardes mas gulosos, sem dúvida.
Neste momento, já anoitecendo, a independência é tão real como a bandeira do Reino de Espanha ainda flutuar no topo do Palácio da Generalitat.
...e passando adiante,
2. A reacção do governo português foi a que se esperava de um país que é um dos mais antigos e sólidos da Europa. Não embarcou nem em entusiasmos de "mortes", nem em "águas" passadas, ficando reconhecidamente ao lado da legalidade de um Estado de Direito, aliás, um país onde os súbditos da Dinastia de Bourbon usufruem incomparavelmente de muitas mais liberalidades e liberdades do que os cidadãos da cada vez mais nefasta república portuguesa. Se Santos Silva usou o habitual patois diplomático frisando a posição portuguesa, Costa foi mais directo e não deixou a menor dúvida quanto a este tema.
Esteve muito bem, o governo português.
3. Como também bem esteve aquando da histeria imediata ao Brexit, no preciso momento em que no areópago de Estrasburgo ulularam gritos de vingança desmiolada contra quem se tinha atrevido a apontar o dedo a certas prepotências que por cá bem sabemos. Há uns dias ouvimos o sr. Juncker mostrar ao Paulo Dentinho o seu recolher de unhas. Faz bem, pois pelo menos aprendeu qualquer coisa, enquanto o governo de Lisboa foi quiçá o único que manteve a calma e disse o que devia ter sido dito pelos restantes 26.
Hoje recebemos a visita do excêntrico Boris Johnson. Para quem não tenha entendido, veio cá invocar precisamente aquele tratado assinado nos tempos de D. Carlos I, o tal que confirmou todos os outros antecedentes. Foi expressamente mencionado por quem vindo de Londres nos visitou e o MNE, atendendo à política externa do Estado que deve ser coerente com os interesses do mesmo, agiu em conformidade. Não há como fugirmos. Em Lisboa os britânicos terão sempre um porto seguro, o resto não interessa, politicamente não risca coisa alguma.
Excelente.
Não sabia o que significava, mas a palavra agradara-lhe e decidira usá-la assim que tivesse oportunidade para tal. Naquela tarde iria com a prima Ana Maria e a sua mãe ao Scala, uma grande sala de cinema situada em plena Baixa, sítio esse onde as pessoas não apenas iam ver uma fita, como também para serem notadas. Por isso mesmo uma ida ao cinema era então algo que agora nos surge como um eco distante de um passado mais rebuscado onde algumas glórias da moda com algum imaginado requinte desfilaram.
Estavam então naqueles anos imediatos à guerra mundial e as duas miúdas, uma delas, a Mima, residente na capital e a outra, a Ana Maria, vinda do mato de Manjacaze onde o pai era administrador, apresentaram-se diante de Maria Pinto da Fonseca para uma rápida vistoria aos laçarotes antes de deixarem a casa e rumarem à Av. da República, naquela confluência com a Av. D. Luís I, sítio esse onde existiam os dois principais pontos de encontro da cidade. Um deles, o Café Continental, era vasto e vagamente apresentado numa espécie de Deco tardio, já um tanto ou quanto americanizado. Era ali que se concentravam os homens para a discussão da política - sim, em Lourenço Marques a discussão política também era coisa trivial -, as últimas notícias dos futebóis locais e metropolitanos e as intrigalhadas de uma sociedade relativamente exígua, embora o seu espaçamento territorial à primeira vista indiciasse o oposto. Praticamente quem era quem conhecia-se e em reflexo era normal um transeunte percorrer a Avenida meneando constantemente cabeça, saudando à esquerda e à direita ou tão só levando a mão ao chapéu nos dias de torreira. Era o Café Continental o centro das Laurentinas e dos pires de camarão tigre que acompanhavam cada rodada, o café fumegante ficava para fim, significava a estocada terminal na conversa. As Coca Colas serviam para mitigar o aborrecimento dos garotos impacientes pelas conversas ininteligíveis dos adultos que para ali infelizmente os arrastavam, começando ao fim de algum tempo a balançar as pernas como forma de silencioso protesto. Por vezes, um clac! relativamente audível fazia voltar algumas cabeças em direcção ao ruído e à face subitamente avermelhada do pirralho atrevido. Eram tempos em que isso se fazia em público e sem riscos de maior.
Mesmo diante do Continental existia outro recinto de comes e bebes, mas não era um Café que replicasse na concorrência o vasto espaço fronteiro, tratava-se de um salão de chá, algo que de imediato produzia na cabeça dos visitantes uma sensação de diferença e cerimonial. Ali se serviam chás, fumegantes torradas e toda a bolaria portuguesa, alguma dela tropicalizada e mais ao gosto local. Era o o Salão de Chá Scala, sobretudo querido pelas senhoras e pela filharada gulosa e melhor comportada. Olhava-se de soslaio ou descaradamente para as peças têxteis elaboradas pela modista Lauentina Borges ou tão só adquiridas numa das imensas lojas de trapos da cidade e exibidas na mesa vizinha, como infalivelmente se comentava a próxima chegada de uma vedeta metropolitana, trocavam-se umas tantas receitas ou a ida a uma exposição no Núcleo de Arte onde fulano ou sicrana iria mostrar o que sabia ou não sabia fazer.
Mesmo contígua ao salão de chá, existia e ainda existe fechada numa cápsula do tempo o grande cinema da Baixa, o magnífico Scala onde um dia, ainda garoto, vi actuar gente como Marcel Marceau e Gilbert Bécaud. A estes juntaram-se muitos outros cujos nomes fui esquecendo, desde os nacionais como a Florbela Queiroz, Simone ou o Duo Ouro Negro, até internacionais que aproveitavam a tournée na África do Sul para fazerem uma perninha na então bastante cosmopolita capital de Moçambique.
A prima Mima estava ansiosa, pois lera a palavra num daquelas romances para adultos, palavra essa muito sonora, estranha e enigmática que faria todo o sentido exibir como um troféu de caça grossa. A sua preguiça chegara para mantê-la longe da estante onde repousava o dicionário que rapidamente poderia esclarecê-la.
O filme ia correndo e o intervalo, com toda a injustiça nunca mais chegava. Terminada a primeira parte do filme que obrigava à mudança da bobine, as pessoas normalmente saíam e iam trocando impressões acerca da estória ou tão só aproveitavam a pausa para fumar, beber e comer qualquer coisa na sala de chá convenientemente bem próxima.
Finalmente, chegou o momento tão esperado e a Mima rapidamente se levantou, apontou o dedo à mãe e gritou:
- Levanta-te, mulher adúltera!
Dúzias de pares de olhos fuzilaram a estarrecida tia Maria.
Sou tetraneto de uma famosa mulher adúltera que após a condenação, ainda por cima turvava a vista de todos os tagarelas da boa moral então imperante, fumando placidamente o seu charuto nas grades da Cadeia da Relação do Porto. Era uma provocação e deu brado, estando o seu conhecido amante a uns passos, ou seja, a umas tantas jaulas de distância. Mostrando o seu desprezo pela ficção da escandalosa causa, o próprio Rei D. Pedro V os visitaria in loco, fazendo passar a mensagem da realidade a uma sociedade bastante conservadora e eivada de maniazinhas e preconceitos que bastamente praticava às escondidas. Há que dizê-lo, estouro de orgulho por esta brilhante e adúltera antepassada.
Nem sequer estava muito interessado em comentar algo que aparenta ser trivial e de vez em quando vem a público. Este estapafúrdio caso é um entre muito outros que para nosso embaraço colectivo, ainda sucedem com demasiada frequência.
Quem dos mais indignados já se sentou numa sala de audiências num tribunal que por cá é parte íntegra do Estado? Fi-lo diversas vezes, na sua maioria por mera curiosidade não apenas pelo decorrer das normalmente aborrecidíssimas sessões contínuas, como igualmente pelo rebuscado cerimonial das majestáticas entradas e saídas de um grupo de causídicos vestidos à maneira de D. Catarina de Áustria do quadro presente no Museu da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, mas sem aqueles galões e bordados dourados que António Moro tão bem pintou. Gosto de assistir a cerimónias solenes e quanto mais elaboradas, melhor. Dão sempre ideias para uma razoável pintura cerebral e afinal de contas, quanto mais imponentes e incompreensíveis, mais antigo é o Estado que as promove. Olhando num relance para as cerimónias deste estado de coisas, dir-se-ia ser Portugal o mais recente país do planeta.
Mesuras pontilhadas com apartes de nítido desprezo, fazem o pleno de alguns advogados mais experientes e com leitura de mundo. Outros limitam-se ao desfiar de pequenas ou grandes misérias, por vezes em monocórdicos textos sem grande preocupação de nitidez interpretativa e atrevo-me a dizê-lo, pejados com belos exemplares de outra imaginativa ortografia. Até nisto existe um certo interesse como espectáculo.
Estive uma única vez sentado diante de uma mesa de juízes, entre os quais se encontrava o J. R., velho conhecido de rambóias de outros tempos. Era então ouvido como uma das quarenta e tal testemunhas de um recorrente caso de usurpação de identidade com o paralelo aproveitamento de esbulho de bens de outrem, corriqueiras vigarices na passagem de cheques, enfim, o habitual neste esquema social vigente. Quando fui chamado, o J.R. fez um leve sorriso a que por mero decoro não respondi. O interrogante central era um conhecido insolente, arrogante, prepotente e iracundo exibicionista das barras de Lisboa, um tal Ricardo qualquer coisa que voltei muito mais tarde a rever numa entrevista televisiva com o seu característico lacinho, imagem tão de sua marca como a estrelinha do seu possível Benz ou quadrícula à guisa de brasão bávaro do BMW antracite de quatro portas. Como sou desde nascença e no mais puro sentido marxista-leninista-maoísta do termo um provocador militante, naquele dia tive a plena consciência de boa parte dos juízes obedecer à irmandade de um certo legalismo, resolvendo por isso mesmo colocar à lapela o émulo inverso daquele pin que o antigo primeiro-ministro Passos Coelho usou até à exaustão, ideia talvez por ele repescada dos documentários noticiosos Made in USA. Enfim, mais um fake entre tantos outros.
Falando comigo sem olhar para o meu focinho, o tal Sr. Dr. Ricardo não descolava os olhos da lapela, estava visivelmente incomodado e não tendo melhor ideia acerca do que fazer, resolveu caçoar do meu nome. Dei-lhe uma resposta de tal forma abrupta, seca e cheia de voluntárias e engraçadas indirectas que o pobre não teve meios para me acusar de desrespeito para com o tribunal. Evidentemente, por toda a sala ouvia-se uma melodia em pianíssimo de risos abafados, entre os quais, os do J.R. que no fim da fastidiosa sessão, veio dizer-me que ..."deves ter enlouquecido em meter-te com este tipo". Foi uma pena à época não existirem Iphones, pois de imediato colocaria a cena no youtube e no feicebuque.
- "Pois quem se meteu comigo foi ele e não lhe disse nada que não precisasse de escutar".
Passando ao que interessa, a imensa maioria dos Meritíssimos é digna de todos os louvores, nem que seja pela supina paciência que demonstram perante ocorrências minúsculas que contam com centos de páginas de todo o tipo de alegações. Imaginem-vos naquele ordálio de casos e casinhos, todos eles tratados de forma relativamente exaustiva como um trato de polé, por vezes os melhores deles eivados de aspectos sórdidos para uns, excitantes para outros. Todos, queiram ou não queiram, acabam sempre por espreitar pelo buraquinho da fechadura e bem vistos os factos, os tribunais são locais excelentemente privilegiados como peep-show da sociedade, ainda por cima gratuitos e cerimoniosos.
Pelos vistos, o Estado Islâmico está a estabelecer poderosos caboucos para a futura implementação da sharia em Portugal. O Meritíssimo tripeiro também alegadamente terá referido outras culturas que na actualidade aplicam as medidas que ele próprio, pegando em textos empoeirados, exibe como coisas naturais e evidentes. Mais curioso é verificarmos que os mais estridentes protestantes pelo insulto, são precisamente aqueles a quem parece normal, em nome da abertura do próprio espiritozinho, a futura ..."aceitação de ordenamentos jurídicos paralelos que convivam normalmente num Estado de Direito que olhe com condescendência para todos os importantes contributos que as sociedades modernas forçosamente terão de receber". É mesmo inevitável e daí à burka vai apenas um passo, trata-se mesmo uma questão de tempo.
Uma desgraça nunca vem só.
Riiiiiing! Riiiiing! Riiiiiiing!
- Sim?
- Sou eu, pá...
- F-se!, a coisa tornou-se pior do que pensávamos!
- Pois é e agora a comunicação social anda histérica pelos fogachos e audiências e está a entalar-me...
- O que queres que faça?
- Se não te for muito incómodo, fala hoje ao país, mostra o ar mais compungido que possas, faz uns gestos de indignação e diz umas coisas que sejam dúbias e contentem os gajos, pá...
- Deixa comigo, afinal de contas sabes bem que fui teu professor.
- Claro, é por isso mesmo que estou a ligar-te, se disseres qualquer coisa que muito vagamente soe a ultimato, aposto que a gaja depois demite-se e farei o ar mais sério e triste deste e do outro mundo agradecendo-lhe os brilhantes serviços prestados.
- Isso, isso, já agora, avisa-a!
- Para quê?
- F-se!, é o mínimo, pá...
- Achas?
- Vai por mim, tens é de safar-te amanhã em S. Bento.
- Ahahahahahahahaha, não te rales, sei bem o que dizer e os gajos à minha esquerda devem estar a borrar-se de medo com a ameaça de eleições!
- Isso era mesmo o que convinha...
- Pois é, mas daqui a umas semanas já terei virado o rumo das coisas e encherei arruadas umas atrás d'outras, ahahahahahahahahahah, uma chuva dourada de boas notícias apaga qualquer fogo!
- Ehehehehehehe, espero bem que sim, disso não tenho a menor dúvida, esta gentinha vive minuto a minuto e bom, bom, bom seria acontecer qualquer coisa trágica em Espanha de modo a distrair as atenções.
- Queres que ligue ao Rajoy?
- Bolas, ó pá, faz melhor e vai directo ao assunto, manda um mensageiro especial ao Puigdemont a acicatá-lo a provocar um incêndio político até amanhã, quinta-feira, mas sobretudo nada de telefonemas ou mails, hoje em dia é perigoso. O boca a boca é melhor, não compromete e sempre poderás negar, não existirão provas.
- E achas mesmo que eu me preocupo com provas?!
- Não.
Clang!
...."Ir-me embora seria o caminho mais fácil, ia ter as férias que não tive".
Foi isto o que o agarradinho e nauseabundo dejecto disse hoje. Haja quem urgentemente prima o autoclismo.
Quem diria que a idade Média acabou com a chegada de Vasco da Gama a Calecute? Ou terá sido com a Queda de Constantinopla? Para o caso pouco importa, é mesmo uma questão de perspectiva, de região.
Lendo o que se verte copiosamente nas redes sociais, dir-se-ia que o mapa de antanho ainda está bem presente na mente de muito boa gente. Boa? Isso é outra história, perdão, estória.
Já todos ouvimos falar desde há muito acerca daquilo que o homem comum catalão julga pensar acerca de todos os outros que o rodeiam. É mesmo um daqueles fait-divers que a insuspeita Dª Clara Ferreira Alves, fazendo a cara o mais desagradável que lhe foi possível, apontou há duas semanas na sua charla semanal. Tem razão. Dois minutos bastaram para encontrar o que subrepticiamente também está em causa e não são apenas lendas urbanas ou desabafos de hooligans do Barça.
Deixemos então as caves do independentismo e subamos os degraus em direcção ao terraço deste prédio que certamente não foi desenhado por Gaudi e muito menos ainda decorado pelo surrealismo do Dali de Figueres.
Estamos prestes a transformar certa gente em ícones da pausa para o café, apenas sendo um facto permanecermos garantidamente livres de um dia, dada as imagens que nos entram diariamente sala adentro, vermos aqueles semblantes estilizadamente reproduzidos em camisetas ao estilo Che. Korda não se interessaria por imortalizá-los, especialmente o tal Puigdemont, demasiadamente confundível com uma esfregona em saldo no Mini Preço.
O que dizem ou disseram eles para além do auto-proclamadamente correcto que as televisões mostram?
Entre outros ditos públicos, segundo Oriol Jonqueras ...“Hay 3 Estados (¡sólo 3!) donde ha sido imposible agrupar toda la población en un único grupo genético. (…) En el Estado español, entre ‘espanyols’ y catalanes. En concreto, los catalanes tenemos más proximidad genética con los franceses que con los ‘espanyols’; más con los italianos que con los portugueses; y un poco con los suizos. Mientras que los ‘espanyols’ presentan más proximidad con los portugueses que con los catalanes y muy poca con los franceses”.
Ne cherchez plus, sabemos bem onde ele quer chegar, aliás estamos todos historicamente a isso habituados.
A ERC - Esquerra Republicana de Catalunya - não se fica por aqui, foi e ainda vai mais longe, muito mais longe. Heribert Barrera, o já falecido e histórico líder da agremiação, para além dos considerandos acerca da diferente inteligência entre brancos e negros, também dizia há uns tempos que (seria necessário) ...“esterilizar a los débiles mentales a causa de un factor genético (...) si continúan las corrientes migratorias, Cataluña desaparecerá; hay que evitar la inmigración no catalana”.
Evidentemente estava a referir-se aos que chegaram desde há décadas de outras partes de Espanha.
Deixando o cada vez mais ancho de ventos Jonqueras e o seu alter ego Barreras, em duas penadas passemos ao putativo pai do independentismo actual, o fugidio Pujol. Eis o que ele não só disse, como escreveu ...“El hombre andaluz es un hombre anárquico. Es un hombre destruido, un hombre poco hecho, un hombre que hace cientos de años que pasa hambre y vive en estado de ignorancia y de miseria cultural, mental y espiritual. Es un hombre desarraigado, incapaz de tener un sentido un poco amplio de comunidad”.
O que puderá ele ainda mais resmungar dentro de portas ?
O resto surge neste texto e não é aqui publicado para não ofender os leitores mais sensíveis. Não é o que se costuma ler antes de certos programas televisivos? Pois estamos na mesma situação.
Inventar uma nação será uma brincadeira de recreio de crianças, após caírem na asneira de repetir até ao ansiado sim!, o famoso referendo que há uma vintena de anos esmagou a criação de regiões e respectivos sátrapas sedentos de mordomias. Podem seguir o processo que abaixo se lê:
1. Criar uma língua é fácil, bastará para isso procederem a algumas alterações da corriqueira consagrada em sucessivas reformas vindas de cima, vulgo acordos que ninguém acordou e uma ínfima minoria aceita, conhece ou dá-se ao frete de estudar, pois não vale a pena perder o tempo com onanismos alheios.
2. Depoije dicho, podem pachar a ejecutar as cheguinteje achões, dejetinadaje a eboluir durante duaje gerachõeje:
- criachão de uma entidade que controle o achecho de profechoreje ao enchino rechional. Pode mesmo chamar-che Òmnium Cultural - tem chempre de ter uma conotachão cultural, poije fica achente chobre bajes de retinto progrechjesmo de vernichages de banguarda - ou qualquer coija bagamente latina, dejede que em chimultâneo dechida quanto aos conteúdoje a enchinar naje checolaje, enchino checundário e uniberchidadejes incluídaje.
- Depoije de chubliminarmente numa primeira faje, comechar a difundir a ideia que abaixo do Douro comecha a Mouraria, habitada por um bando de parajitas inferioreje e quaje pretoje que bibe à conta das formiguinhaje jemifradaje há chéculos chem apelo e há que tempoje chedentaje de libertachão. Afinal de contaje, o Afoncho Henriqueje melhor teria feito em manter-che interechado na Galija e apenaje em nada maije do que no Condado Portucalenche.
- Trancheformar o clube local numa jepéchie de mater patriae onde todos che unem numa cauja comum.
- Obrigar aje emprejas locaije a preferirem trabalhadoreje locaije, preterindo outroje que churjam nos concurchos abertoje e ofichiaije.
- Naje checretariaje, gabineteje, departamentoje regionaije e outraje entidadeje ofichiais, chó che tolerarão trabalhadoreje indicadoje pelo próprio goberno local, com conchulta prébia à Omnium C.
- Dijecretamente numa faje inichial, inchtilar o ódio e o desprejo relatibamente a todoje aqueleje que tendo o mejemo pachaporte, não chejam nadoje na rechião e chobretudoje, humilháloje ao máchimo nos locaije de trabalho. Che for nechechário, prometer a nachionalidade a pechoas chegadaje de fora do território portuguèje, dejede que botem pela independênchia.
- Fajer imediatamente parcheriaje com a rechiõeje bijinhajes echtra-fronteirichas do Jetado portuguêje, chepechialmentej a Galija e arredoreje.
- Reibindicar aquilo que Portugal tebe de bão na chua Chetória nachional e a Portugal tudo o que de péchimo acontecheu ao longo de quaje nobechentos anoje de conbibênchia forchada.
- Atinchido binte por chento do PIB nachional, recujar a entrega doje impostoje que o mau e boraz poder chentral dejetina aos parajitas do chul, bulgo mouros, ou cheja, os alentechanoje, os beirõeje e algarbios, achorianoje e madeirenches.
- Controlar e criar uma rede de informachão que bá apenaje no chentido de monopolijar a opinião local, dejede chornais periódicos até rebistas, telebijões e rádios locaije.
- Ao fim de umaje quatro décadeje, a chopa jetá pronta a chervir:
- Provocamje todoje oje tipoje de bagunchas, fajeche um referendo que enbie às malbas a Conjetituichão de chetenta e cheije, referendo eche chem cadernoje eleitoraije e onde até as pechoas podem chaltitar de chequechão em chequechão, botando as bejes que quijerem ou puderem. Chobretudo, é nechechário inchultar chem fim o poder chentral, o maujão oprechor e chupista. Che por felichidade o Chefe de Chetado portuguêje che atreber a fajer um dijecurcho, chamar-lhe todoje os nomeje, maje nechete cajo, o problema é que Portugal infelijemente não é uma monarquia - daria muito mais cheito que foche, não é berdade? -, logo a coija terá de cher maije rebujecada e de preferênchia, mojetrando o flanco partidário que a república tem como chua princhipal fraqueja injetituchional.
* É mais ou menos este o programa e como primeiro líder, até poderia sugerir o Ruirio se não fosse, perdão, foche um sexagenário. Na berdade já não bai a tempo.
Lá para o fim da tarde ficaremos todos elucidados acerca do assunto do momento, aliás, dos dois assuntos da semana. Um deles aconselha o fazer de conta passar despercebido, pois não parece e não é uma boa ideia infestarmos a casa vizinha com ratazanas que mais cedo do que imaginaríamos, invadirão a nossa despensa. O outro é um daqueles inevitáveis temas que bem sabemos depender totalmente "de nós". É o único que por paradoxal que possa parecer, deveria mobilizar todas as nossas línguas, comentadoreirismo e entusiasmos.
Bem faz o governo em manter-se a milhas da Santa Bárbara que alguns incendiários querem fazer rebentar. A existência de Portugal nos últimos negligenciáveis e pouco significativos 800 e tal anos, prova que somos capazes de mais ou menos satisfatoriamente resolvermos alguns assuntos eternamente pendentes. Assim continuará a suceder se mantivermos a mesma política que já vem desde os tempos do pai, do avô e bisavô do actual regime. Não acreditam? Olhem para o mapa, está lá tudo, aquele "é o que há" que nos garante algumas certezas.
Quanto aos atingidos pelos entusiasmos da "Deputação a Baiona", um prudente conselho: vão buscar os aventais, coloquem-nos à cintura, dirijam-se à vossa cozinha e aproveitem para o fritar de umas dúzias de deliciosos e estaladiços croquetes. Acompanhados por copos de vinho tinto ou a mais típica cervejola, são o acepipe ideal para verem o jogo de logo à noite. Como sempre, estamos naquele ponto de tudo depender "de nós". Bom proveito.
Bem sei, se aqui postasse aqui o retrato de um qualquer magnicida popularucho que pelos polliticamente auto-proclamados correctos é entendido como um benfazejo líder que apenas "falhou nos detalhes porque não sabia e não controlava tudo", quase todos ou a maioria acharia coisa normal. Pois não é.
Ontem fui vendo em directo a transmissão da TVE e fiquei elucidado acerca da manif barcelonesa, fazendo ocasionalmenmte o zapping para as homólogas nacionais, todas elas muito excitadas e sublinhando o inegável facto de terem vindo muitos espanhóis "de toda a Espanha" e ainda por cima dando-lhes a total preferência nas entrevistas. Vamos então ao dedilhar no ábaco electrónico que o materialismo dialético impõe, como a contabilidade de sacas de trigo, pepinos, batatas ou arroz.
Por aqui os mais exaltados partisans do "quanto pior, melhor" - praticamente os mesmos que até há pouco diziam Espanha, Espanha, Espanha como ultra prioridade do nosso regime - , diziam nas tv que foram 100 autocarros de toda a Espanha para engrossar-se assim o número de "manifestantes falangistas". Vá lá que cada autocarro seja um mega-machimbombo que leve umas 100 pessoas apinhadas e em vias de sufoco. Ora, agora multipliquemos 100 por 100. Quantos "penetras falangistas" foram à manif? Sim, isso mesmo, seriam uma ridiculíssima minoria, mesmo contando e dando de barato que mais uns dez mil "cótchês" - como eles chamam aos carros - terão vindo de Madrid e arredores com 4 pessoas cada um ou, outra vez o sempiterno vá lá, cometendo a illegalidade a que a "falangista Guardia Civil" faria vista grossa, claro, de transportarem 5 "falangistas". 50 mil + 10 mil são 60.000. Ora a manif foi "muito pífia", oscilando estranhamente entre os 350.000 alegadamente contados pelos dedinhos dos "mossos d'esquadra" e o milhão dos organizadores. Fiquemos então por muito baixo, pelos 500.000, pois as avenidas de Barcelona são deveras mais compridas e largas do que aquelas que (ainda) temos em Lisboa.
Ontem perderam moralmente a hipótese da golpada, não é verdade? Arranjem lá outro focozinho que mereça uma libertação, talvez no Curdistão - sempre desestabilizam 4 países de uma assentada -, num qualquer Estado do sul dos EUA ou até no oprimido Cachemira. Nas vizinhanças do nosso país, no irmão siamês a que estamos irremediavelmente ligados, é coisa que não nos convém mesmo nada.
*Uma boa ideia seria aliviarem as pulsões aqui mesmo, internamente, focando os seus interesses sobre a imperiosa necessidade democrática de libertar a Constituição de 1976 dos Limites Materiais que foram impostos por homens comuns e não por entes que por muito discretos que fossem, não eram divinais.
Frelicagra, Frente de Libertação do Campo Grande, uma brilhante ideia da joint-venture Miguel e Nuno, como tantas outras que foram surgindo nos tempos em que não existiam play-stations, telemóveis, ipad's, ipod's, iphones e outras coisas da tecnologia. Deitados no chão e geralmente de madrugada nas rotineiras jogatinas de Monopólio, hábito esse que já vinha dos tempos de África, o nascimento da Frelicagra deu-se enquanto devorámos batatas fritas cortadas à mão e descascadas da terra com que eram então vendidas no Val do Rio bem próximo. Eram depois acompanhadas por ovos estrelados cuja casca ainda tinha bem visíveis o selo de autenticidade que a bem agarrada caca de galinha poedeira demonstrava. Era este o maravilhoso Portugal imediatamente pós-PREC, Portugal esse ainda a braços com a conhecida técnica das greves cuidadosamente cronometradas: greve da água à segunda, do gás à terça, da electricidade à quarta e por aí fora. Talvez fosse uma boa desculpa para evitarem o banho colectivo semanal e o sabão macaco.
Havia frentes para tudo, desde a frente de libertação da nossa terra que foi tudo menos isso que o nome indicava, até aos movimentos que ao estilo das amibas o PC - o MUTI, por exemplo, era o Movimento Unitário dos Trabalhadores Intelectuais que amalgamava sumidades e outras nem tanto assim, ou melhor, nada assim - ia inventando para fazer de conta agregar boas e más vontades numa terra onde a inveja, a espionite e a maldicência são os pecados primordiais. Para além disso, ainda existiam organizações familiares como a Flama madeirense, ou a FLA açoriana. Porque razão seria o Campo Grande, a paragem mais baratucha e negligenciada do Monopólio, uma excepção?
Foram capciosamente executados muitos cartazes em papel de cenário, onde em letras garrafais a sigla ameaçadoramente surgia, um autêntico atentado à coesão da cidade de Lisboa. Prometia-se de tudo um pouco, desde a abolição de impostos para os residentes cujas tocas se situassem entre a praça de Entre Campos e o monumento ao Marechal Carmona. Os limites oeste-este eram mais difusos, estabelecendo-se a fronteira oeste talvez aquela esquina cuja artéria vai dar a uma das laterais do Hospital de Santa Maria e à Cantina da Cidade Universitária e a de leste no limite da Avenida de Roma e até ao Vá-vá, parte ocidental da Av. dos EUA incluída. Um enorme império com ambições de anexações até ao fim da Avenida da Igreja, incluindo-se assim o vitalíssimo Liceu D. Leonor. Estabeleciam-se várias portagens a toda a circulação automóvel, desde a mais importante que se situava na fronteira norte, até a outras secundárias como a da av. dos EUA ou a da Av. do Brasil. Um Estado soberano, dispensando os impostos aos seus naturais, tem mesmo de recorrer a quem o visita, ou seja, um antepassado da actual taxa hoteleira.
Também foram executados volantes, uma nítida cópia daquela folha distribuída durante anos a fio pelo CDS porta sim, porta sim. O conteúdo era aquele que se supunha na época, ou seja, promessas inacreditáveis numa prosa que faria corar de ciúmes os editores do Luta Popular, o órgão central do MRPP. Mata e esfola era o mínimo que por lá surgia, fosse a propósito dos cocós de cão na então bem mantida calçada de Lisboa, até às memoráveis cenas de pancadaria por uns copitos de carrascão do Cartaxo vendidos a veteranos que se reuniam na carvoaria do nº 190, um alfobre de potenciais candidatos a modelos de Brueghel. Um deles, o Perneta, era o mais afoito, usando a sua muleta de alumínio de uma forma tal que parecia artista de escola de esgrima. O berreiro era ensurdecedor e por vezes lá assomava à varanda a cabeça da Dona Flávia, a porteira que começava todas as conversas com o seu característico n'intanto que. Punha-se com o seu bem conhecido ó pcht!, ó pcht!, procurando moderar os palavrões que julgava então como exclusividade do seu marido. A Frelicagra pretendia a erradicação daqueles penetras e pernetas que vinham sabe-se lá de onde, talvez daquela vasta área que antes de ser a agora duvidosamente chique Alta de Lisboa, era então composta pelas Galinheiras, Camarate do potencial acidente, Musgueira, "bairro do aeroporto", bairro do relógio e a barracaria anexa onde vários continentes não conviviam em amena paz social. Eram aqueles panfletos policopiados e distribuídos por um bando de risonhos militantes, colocados em caixas do correio ou nos pára-brisas das carripanas de então. Recordo que nem sequer a carroça puxada pelo cavalo do cigano escapou à colagem das promessas. Claro que esperneávamos de tanto riso.
Assumia-se então plenamente o apelo à sedição e ao não cumprimento da Lei estrangeira, fosse ela qual fosse, a da municipalidade lisboeta ou a dos estranhos governos portugueses de então. O Campo Grande tinha tudo o que um Estado independente necessita. Forças Armadas, então alojadas naquilo que hoje é uma universidadezeca qualquer. Uma enorme e bem verdadeira Cidade Universitária, um grande liceu, e pelo menos duas escolas primárias, cafés, restaurantes, talhos, peixarias e padarias, havia de tudo e mais alguma coisa, como uma farmácia, por exemplo. Tinha pontos de abastecimento de vitualhas, um curso de água que fazia as vezes de Danúbio local, dois monumentos, um posto de polícia, a sede da Unita que logo passou a travestir-se de Concelhia do CDS, uma sede do PS e maravilha das maravilhas, tínhamos toda, toda a família Soares na antiga Rua do Malpique, sebosamente cambiada para o lambe-botismo normal de Rua Dr. João Soares (avô). Uma colossal Biblioteca Nacional e um centro comercial activo e outro em fase final de construção. Banca a rodos, desde a estatal CGD até ao Banco Fonsecas e Burnay ou BNU ou BPSM, já não recordo nem quero saber. Plutocracia então ainda estatizada, claro, coisa que nitidamente significava a distribuição de prebendas interessantes entre irmãos daqueles e camaradas dos outros.
Algo que nos escapou completamente foi o símbolo e olhando para aquela coisa nitidamente de praia, raiada e com uma estrela de Capitão América que hoje nos surge como se fosse algo como um facto consumado, fico a pensar que bem poderíamos tê-la então retroactivamente adoptado.
Quando já passada a febre Maduro, a febre roynghia, a febre afegã, a febre Brexit e todas as maleitas trumpeiras, temos então a febre catalã na qual o tal artista Puigdemont com o seu cabelo à Piricas, confirma a escandalosa cópia dos idos e saudosos tempos áureos da Frelicagra.
Não sabia que o tipo da Generalitat tem 17 anos. Caramba, apesar de concitar farta risota, aparenta muito mais.
Precisamente um mês após a entronização do luso e legítimo Rei D. João IV em pleno Terreiro do Paço, os independentistas catalães proclamaram Luís XIII, Rei de França, como Conde de Barcelona, ou seja, o soberano regional da Catalunha. De pertença a um certo estado de coisas, facilmente passaram a reconhecer outra chefia, por sinal uma que nem sequer era capaz de dizer uma palavra em catalão. Brilhante desespero, sem dúvida.
Iniciando-se assim este pequeno fait-divers em termos de comentário num conturbado fim de semana de todos os perigos e disparates, há ainda a salientar o facto de as televisões portuguesas andarem há dias num afã desmiolado a entrevistarem catalão após catalão residente em Portugal e todos, todos eles, curiosa e inexplicavelmente partidários de uma ruptura total, naquele bem conhecido "depois logo se verá". O problema é mesmo esse, o depois. E o que dizem alguns deles num português arrevesado mas compreensível: ..."la Constitución es muy vieja". Exacto, muito velha de quarenta anos e ficamos então a pensar o que considerarão americanos ou belgas, por exemplo, a respeito dos quase pré-históricos textos que regem as suas vidas. O problema não está na clara sandice, para não dizer estupidez, de quem despreocupadamente tece tais desabafos plenos de consequências. São de prever como qualquer acesa zanga numa mesa de café e acerca de transferências ou de quem é o melhor chuta-bolas do mundo, C. Ronaldo ou Messi.
Vamos então ao que interessa e é muito mais grave.
Temos lido com algum estupor, textículos de alguns causídicos que bem esquecidos do que aprenderam na Faculdade de Direito e na "experiência de vida" que vai dando por aí algumas equivalências, as mais descabeladas teorias onde se mescla um incontido desejo pela incontinência da arruaça na casa do vizinho onde bem gostam de passar férias e o mais retorcido desrespeito pela Lei, algo que acreditamos pautar os seus afazeres profissionais, em suma, a sua vida. Naquelas doutas cabeças, passa a sugestão ..."primeiro há que realizar o referendo seja ele como for", mesmo que ilegal à luz do texto constitucional até agora normalizado e aceite. Depois do golpe feito e já irremediável, rever-se-ia então a Constituição. É a vingançazinha histórica e bastante ignóbil dos nossos cretinos nacionalistas de direita, com perfeita equivalência nos não menos cretinos internacional-nacionalistas da esquerda, geralmente festiva e plena de causas a esquecer ao fim de duas semanas. Não desejam que o seu país dificilmente se torne melhor do que o do vizinho, mas insistem tão só no rebaixamento ao de quem vive ao lado. Por outras palavras, querem que o espanhol sofra o máximo que for possível, mesmo que isso signifique pagarmos todos por tabela. São exactamente os mesmos que há uns tempos justamente se terão indignado com a partilha da Jugoslávia, o rapto do Kosovo pela NATO, a liquidação da Chescoslováquia e daquilo que os mapas conheceram como União Soviética. É o princípio da amiba transferido para as relações internacionais, a divisão que se subdivide até ao infinito.
Ora, considera-se então desconhecerem totalmente o que aqui se tem passado desde há décadas, onde persiste uma certa paz social que bem visto o lastro histórico, é em incomensurável medida, obra dos nossos maiores. Desconhecem isto, pois disso mesmo inconscientemente beneficiam, é a normalidade do dia a dia, o tal direito adquirido que para tudo serve. É o que temos, vemos e lemos.
Se não fosse patético seria trágico. Transplantem essa brilhante sugestão para Portugal e logo afiaremos as facas.
Vote onde os mais exaltados lunáticos mais sentirão, não colocando a sua notinha de € em nenhum destes produtos. Tem uma boa desculpa, ou seja, a salvaguarda do seu colesterol.
Liga-se a televisão ou liga-se o feicebuque e o tema do momento é sempre o mesmo: Catalunha, explodindo excitações infantis acerca de algo que a esmagadora maioria não conhece e reacciona com aquele típico porque sim ou porque não. Uma das parvoíces mais propaladas remete-nos a 1640, quando no contexto da longa e desastrosa Guerra dos 30 Anos, a elite da Catalunha resolveu separar-se de Espanha. Aos catalães "devemos a independência", aos catalães isto, aos catalães aquilo, é um chorrilho incessante de ignorância que nos entope os ouvidos. Nada disto seria muito importante se fosse apenas dito por aquelas doutas cabeçorras até aqui partisans do "open your borders", subitamente caídos de joelhos perante o deslumbramento de "mais uma revolução", por muito burguesa e xenófoba que seja. E é mesmo: xenófoba, egoísta e burguesa.
A verdade é simples e bem diversa. Ainda durante a primeira metade do século XVII o declínio militar, político e económico de Espanha era evidente, apesar da União de Armas engendrada por Olivares. Ao contrário do condado de Barcelona e zonas anexas, partes da já simbólica coroa de Aragão, Portugal era um reino distinto, o outro elemento de uma união dual que lhe garantia moeda, bandeira, alfândegas, forças armadas e um império colonial autónomo. Os inimigos tinham-se tornado nos mesmos, pois as emergentes potências marítimas - Inglaterra, Holanda e até um certo ponto a França -, tinham no Portugal dos Áustrias um alvo preferencial, enfraquecido pela ausência de uma Corte própria capaz de participar nos meandros internacionais da diplomacia e arranjos geopolíticos. A situação era deveras má, fosse a interna ou aquela existente nas possessões do Atlântico ou no Índico. Portugal era oportunamente atacado e contra os portugueses teciam-se as mais desmioladas estórias de difamação, apontando aos lusos a estranha tendência para se miscigenarem "com animais", ou seja, negros, indianos, índios ou extremo-orientais asiáticos. Após os auspiciosos acontecimentos de 1640 escrever-se-iam páginas e páginas de justificações neste preciso sentido, destinadas sobretudo a uma Europa espantada pela guerra de autêntico extermínio que os holandeses, por exemplo, faziam a um país recentemente libertado da tutela da Casa de Áustria.
Vamos então às vantagens óbvias que a Restauração implicava para os jogos geoestratégicos de então:
1. O controlo das vias marítimas.
Basta-nos olhar para o mapa e a situação portuguesa de hoje é precisamente a mesma daqueles tempos. Portugal situa-se a meio caminho da ligação do Mediterrâneo com o Mar do Norte e Báltico; Portugal é uma costa fronteira às ligações marítimas da Europa e das suas então possessões coloniais nas Américas, África e Ásia. mesmo sequer sem contar com o seu vasto património ultramarino, convinha Portugal não estar dependente de Madrid e do seu vasto império sul e centro americano.
2. A posição privilegiada do porto de Lisboa, onde desembarcavam artigos trazidos pelos intermediários portugueses que aqui faziam negócios com as potências, umas mais relevantes do que outras e todas elas desejosas da obtenção de porcelanas, perfumes, pedras preciosas, marfim, panos, especiarias, açúcar, madeiras e outros artefactos coloniais. Se Portugal pudesse servir de recolector, talvez fosse mais lucrativo aos nórdicos limitarem-se a abastecer os seus navios comerciais numa Lisboa livre das limitações que a pertença à União Ibérica significava.
3. Havia interesse internacional na emancipação nacional, aliás desde sempre desejada pela grande maioria dos portugueses de todos os extractos, fossem eles o do povo miúdo, burguesia mercantil ou orgulhosa nobreza da então desaparecida Corte. A pertença das possessões portuguesas à mesma dinastia reinante em Castela, Aragão - a Espanha propriamente dita -, Nápoles, Sicília, Milanado, Franco-Condado e Países Baixos espanhóis, tornava mais difícil equilíbrio europeu, num momento em que as conclusões da Paz da Vestefália ainda pareciam distantes, conclusões essas que durante mais de um século e meio definiriam as relações internacionais nos seus múltiplos aspectos, aliás alguns deles ainda bem presentes nos nossos tempos. O rei de Espanha - Castela, Aragão e a Navarra peninsular - era também rei de Portugal, um território distinto e como tal reconhecido em Tomar por Filipe II, tornado I de Portugal.
A Restauração viria, fosse ela desencadeada no 1º de Dezembro ou mais tarde, fruto do interesse internacional. Em 1701 rebenta a Guerra da Sucessão de Espanha e ao contrário da revolta catalã anterior que sintomaticamente logo proclamou Luís XIII como seu soberano e tornando-se assim num mero apêndice da mais vasta política de guerras anti-Casa de Áustria veiculada por Richelieu, em Portugal voltou-se rapidamente à legitimidade usurpada nas Cortes de Tomar, quando a Duquesa de Bragança foi espoliada pelo seu primo Filipe II. Era ela a herdeira legal e legítima, disso não existe a menor dúvida. Assim sendo, em termos jurídicos a questão nem sequer poderia colocar-se, apenas prevalecendo o poder da força militar e do dinheiro que provisoriamente comprou consciências e lealdades.
Em 1701 defrontava-se a Casa de Áustria com a Casa de Bourbon, ambas com direitos legais evidentes ao trono espanhol. Enquanto a parte substancial de Espanha alegremente acolheu os ímpetos reformistas da nova dinastia vinda de Versalhes, a Catalunha - e não Aragão de quem dependia -, proclamou o arquiduque Carlos, o futuro imperador Carlos VI com um entusiasmo tal que bem depressa fez esquecer a revolta que alguns, hoje e em Portugal, apontam como salvadora da nossa Restauração: Carlos era um Áustria como Filipe IV. Se a Restauração tivesse fracassado e o rol de confrontos militares fosse diferente do que aquele registado pela história, politicamente o caso português continuaria em aberto não apenas por questões internas, mas sobretudo pelo interesse externo. Porquê? Porque sem dúvida, anos mais tarde e na conclusão do conflito que partilhou o património espanhol na Europa, existe uma clara evidência do território português e as depauperadas dependências coloniais que ainda nos restassem seriam outorgadas ao esbulhado Carlos de Habsburgo, ou até, quem sabe?, à Casa de Bragança. Não podemos agora saber o que teria ocorrido aquando da morte de Carlos II de Espanha, mas é quase certo que em Lisboa o assunto seria tratado de outra forma do que o aguardar de ordens. As potências assim o exigiriam e a oportunidade era demasiadamente tentadora para não ser levada avante. O equilíbrio europeu assim o exigia e com ele, o controlo das vias marítimas.
Agora o caso é bem diverso. Temos uma historicamente rara e excelente relação com Madrid e com Espanha partilhamos a fronteira, os principais rios que nascendo no seu interior desembocam no litoral português, assim como as vias de acesso terrestre à Europa. Partilhamos a garantia da segurança no flanco sudoeste europeu. A Espanha é o nosso principal cliente e o nosso primeiro fornecedor. Com Espanha participamos em varias instituições internacionais, sejam elas a U.E., a NATO ou a Ibero-América.
A verdade? A última coisa que quereremos é um conflito interno no nosso único vizinho e não se arrisca muito quando se afirma ser para Portugal desejável uma Espanha unida, em paz e também muito próspera. Desejar o contrário é uma sandice dos entusiastas do "one world, open your borders", exactamente os mesmos que agora desejam mais uma fronteira ainda para mais instável e não reconhecida ou um potencial emirato a longo prazo. Pensarem que os espanhóis, todos eles, sejam eles os castelhanos, galegos ou outros aceitarão encolhidos uma secessão catalã sem uma resposta à medida do desafio, é lamentável, denotando uma inconsciência perante as realidades.
Não nos convém, é tudo e mais importante ainda, nem sequer convém aos próprios catalães, já senhores de uma vasta autonomia, bandeira, hino e outros aspectos essenciais ao seu desmedido orgulho, tão amplo e exclusivo como o dos próprios castelhanos.
Para a nossa tranquilidade, o mapa da península deverá continuar a ser aquele que conhecemos desde o século XVIII: Portugal, Espanha, Andorra e uma possessão britânica, Gibraltar.
Dado o que se sabe acerca da evacuação de terroristas sanguinários por aparelhos de uma potência nossa aliada, esperemos então que sejam recolocados o mais para leste possível, na Ásia Central, o baixo ventre da Rússia contíguo por felicidade da geografia, à China. Apostemos então nesta cada vez mais visível hipótese, já praticamente uma certeza.
Muito pior para nós será se se decidirem pelo Magrebe que como se sabe, "vive oprimido na mais vergonhosa opressão". Não perderemos por esperar.
Confirma-se o dito popular ..."querer é poder". O Estado quis e facilmente pôde.
Um Bisonte aterrou em Figo Maduro, segundo se diz. Com ele traz perto de setenta portugueses resgatados da destruição provocada pelo furacão Irma. O Estado fez o que lhe competia e ainda por cima aproveita a oportunidade e martela-nos hora a hora com a gesta salvadora. Debulhados em lágrimas, os familiares esperam-nos e o caso fica resolvido e sem memória futura.
Ficámos a saber que é possível proceder a um resgate, dependendo da vontade política. Quantos C-130 tem a Força Aérea Portuguesa para organizar uma ponte aérea que comece desde já a evacuar os milhares de portugueses e luso-descendentes desesperados que definham na Venezuela?
A Força Aérea que dê o exemplo e envie alguém a S. Bento para exigir este serviço. Comecem pelos doentes, idosos, mulheres e crianças. Os homens mais jovens e escorreitos ficarão no fim da bicha.
Ou neste caso o Estado pode mas não quer?
Há precisamente 43 anos, a 31 de Agosto de 1974, pela primeira vez vi a Lisboa que conhecia através de centos de imagens que os meus pais me mostraram sem que jamais cá tivessem estado. Identificava facilmente as zonas e logo passámos semanas a percorrê-las a pé, num turismo gostosamente forçado que recolhia a altas horas da noite ao refúgio na roulotte do primo Joaquim Dantas, estacionada no parque de Campismo de Monsanto, 5m2 à medida de 1m2 por pessoa do nosso agregado familiar.
Era ainda uma magnífica cidade, com áreas relativamente bem delimitadas pelo percurso da história de um país que contando com centenas de anos, nem por isso deixou de seguir, por vez tardiamente, os padrões aceites e vigentes no resto da Europa ocidental e central. Existia a cidade do Iluminismo, a de uma reconstrução admiravelmente conseguida. Sobreviviam poucos vestígios anteriores, tanto medievais como da Renascença que chegando aqui relativamente atrasada - e boa parte dela desapareceu em 1755 -, talvez em boa parte tenha coincidido com a união ibérica. Logo se seguiu a Lisboa burguesa num tímido imitar dos Boulevards da rectílinia e plana Paris, estendendo-se as novas ruas e bairros desde o início da Avenida até ao Campo Grande. A cidade republicana, essa limitava-se quase exclusivamente ao que a 2ª república em escassos anos, dado o volume que ainda ocupa, ergueu e expensas de proprietários obrigados a ceder posses, terrenos votados ao abandono e algum património do Estado. É mesmo aquela que grosso modo compreende a vasta área que vai da Praça do Chile aos Olivais, incluindo as artérias adjacentes à Avenida de Roma e todos os bairros ditos sociais que foram sendo ocupados por vários estratos relativamente afectos - ou naquele portuguesíssimo assim-assim - ao regime vigente.
Em 1974, poucos meses decorridos após o golpe de Estado, a cidade estava imunda, coberta de dizeres materialmente inócuos mas tremendamente violentos de morra! isto, morra! aquilo, alternando o forro de cartazes até aos terceiros andares, com os borrões de tinta passada à brocha que nem sequer pouparam monumentos. Uns tantos magníficos murais do MRPP, compunham o todo e sobressaíam, é mesmo verdade.
Lisboa ainda tinha e oferecia a oportunidade a quem quisesse vê-la para além dos passageiros estragos. Imponentes edifícios burgueses oitocentistas cobertos de ornamentos e arrebiques, grandes cafés de época, enormes teatros e aquela certa homogeneidade de áreas que contavam uma história, um certo tempo.
Tudo desapareceu, inclusivamente a fauna humana que então fervilhava e era espessa na Baixa, espessa nas Avenidas Novas, espessa nos locais onde facilmente eram catados turistas de ocasião. Foi a Lisboa que vi aos 15 anos de idade, uma cidade que se apercebia para além de um segundo do tempo da sua existência.
Dei-me esta noite ao voluntário trato de polé de assistir a uma espécie de debate televisivo em que se digladiaram todos os candidatos a presidir à edilidade da capital portuguesa. Um desastre que apenas confirmou as minhas suposições há muito tempo enraizadas após a passagem de décadas como pedestre e interessado não apenas no fachadismo, mas também voltando a minha curiosidade para a organização interior dos espaços que também desfiavam a história dos seus residentes, dependendo da ampulheta que marca o tempo e das condições propiciadas pelo mesmo.
Todos bem sabemos que os problemas da cidade já nos chegam após muitas décadas de depredações, quiçá podendo nós situar como marco a destruição calamitosa da Praça da Figueira e do Martim Moniz que lhe é contíguo. A partir daí, o camartelo tomou força e fúria e trepou pela Avenida acima, arrasando, mutilando e desfazendo belas realizações que um dia mereceram o Prémio Valmor, talvez o único prémio mundial que garante a futura demolição do galardoado. Para sempre desapareceram prédios de arrendamento, palacetes, igrejas e tantos, tantos outros exemplos daquilo que significava uma cidade relativamente europeia, pois a modéstia nacional não concentra a monumentalidade de capitais imperiais como Viena, Paris, Roma ou a Berlim também para sempre desaparecida com a terraplanagem final de 1945. Pouco se preservou e aquilo que sobra é adulterado, pladurizado, aluminizado e dotado de modernices brilhantes à luz led. Vingam os cabeçudos onde os arquitetos sem C teimam em deixar marca tão indelével e malcheirosa como o líquido aspergido pelo muito mais simpático e relevante cãozinho que fareja para logo alçar a perna. Desta forma vão vingando uns desgraçados monos aqui e ali e damo-nos, pobres coitados, a olhar para um das dezenas de Herons Castilho e exclamarmos ..."pelo menos salvou-se uma parte da fachada!" Muitos conhecem-no pelo Frankenstein da Rua Braamcamp.
Pensei que iam falar da verdadeira razão da explosão incontrolável do muito necessário e bem-vindo turismo para este ensolarado Portugal, turistas esses empurrados por aquilo que os candidatos fazem de conta não perceber e têm em reserva mental, ou seja, a segurança. Não merecendo sequer a pena tecerem-se considerações a respeito das razões de uma tranquilidade durante passeios neste país que lhes é estrangeiro e que todos entendemos perfeitamente, politicamente tornou-se incorrecto mencionar ou identificar a causa desta súbita irrupção de forasteiros que antes preferiam o Egipto, o Próximo Oriente ou um dos países do Magrebe. Preferiam e suspeito intimamente ainda preferirem no recôndito dos seus cérebros à procura de aventuras exóticas. Portugal era uma fraca piada que poucos sequer tentavam conhecer através de fotografias, em suma, não interessava.
Esperaria que pelo menos alguém ousasse falar da escandalosa depredação de património arquitectónico, miseravelmente substituído por construções horrendas, vulgares e sem qualquer interesse que num futuro bem próximo não concitarão a menor curiosidade ou estima. Não prestam nem sequer em qualidade estética que decorre de qualquer novidade. Copia-se em pequenino e mau a roçar o rasca, eis a situação.
Resolvidas as questões de instabilidade em certas áreas bem próximas da Europa, podemos ter a certeza deste turismo de massas desaparecer e oportunistamente deveremos desde já implorar a todas as alminhas do purgatório para que a criminosa violência por lá continue por muitos e bons anos. É o ponto a que chegámos.
A verdade é que o Esquema Vigente tornou-se tão retorcido, que a principal vereação da edilidade, a do urbanismo, tornou-se, alegadamente, numa ampla coutada de um conluio de certos fundos imobiliários adstritos a uma suspeitosa banca e em claro conúbio com as construtoras mais ou menos amigas. O resultado está à vista e podemos estar certos de que não sobejará pedra sobre pedra, cingindo-se a Lisboa que interessa a bem pouco das construções sobreviventes entre a Rotunda e o Tejo. A isto resumir-se-á a capital de Portugal.
O cúmulo da desfaçatez que me fez decidir a ir uma vez mais à secção de voto para depositar um X de alto a baixo? Ousaram mencionar a grande e muito necessária obra do Palácio "nacional" da Ajuda "não concluído desde há 200 anos". Ainda se gabam todos aqueles pobres tolinhos de olhinhos em alvo, como se de uma suprema e final conquista se tratasse. Bem vistos os factos, esta menção à Ajuda resume a total incapacidade e míngua mental de um bando de cinco paraquedistas da políticazinha.
É mesmo uma desgraça Ribeiro Telles não ter hoje 50 anos.