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A dar cabo disto

por Nuno Gonçalo Poças, em 12.06.18

Tolentino Mendonça falou, num texto que recordo não poucas vezes, no quotidiano de T. S. Eliot durante os anos em que trabalhou no Lloyds Bank. Eliot trabalhava, entre as 9h e as 17h ou as 18h, num gabinete subterrâneo, a troco de um par de libras. A certa altura, terá escrito à sua mãe, dizendo-se feliz por poder dedicar-se à poesia no tempo que lhe sobrava. Tolentino escreveu, porém, que "à medida que os anos passavam, era como se lhe faltasse o ar", sempre que Eliot apanhava o comboio, envolvido numa multidão de gente igual, com os seus chapéus, os seus guarda-chuvas, os seus fatos escuros. Eliot deixou-nos isto, para salvar todos os que, anonimamente, se lhe seguiram: «Cidade irreal / Sob o nevoeiro castanho de uma madrugada de inverno, / Uma multidão fluía sobre a Ponte de Londres, tantos, / Eu não pensava que a morte tivesse destruído tantos.»

As coisas não mudaram muito: a poesia salva vidas, mas não muda os espíritos dos indivíduos enquanto membros de comunidades. Essa é a missão do futebol (ou do desporto, em geral, se preferirem), sobretudo do futebol poético, que, como se verá, já não existe.

Nelson Rodrigues escreveu que qualquer assunto, fora o futebol, já nasce morto. Tinha razão porque o escreveu em 1970, num tempo em que os jogadores fumavam e bebiam e não investiam em mercados financeiros. Num tempo em que a bola era só a bola, e a paixão e tudo. Discutir futebol, em 2017, é uma tarefa de cangalheiros. O jogo está morto, fala-se para passar o tempo. A discussão não existe, não é sequer possível, porque o jogo não tem interesse. Há pouca paciência para o ver, porque o prazer já não vem com o jogo em si, mas com o momento do golo, com o momento da falta mal assinalada, com a discussão sem razão sobre árbitros, organismos, instituições e milhões de euros.

A bola, que alguns intelectuais menosprezam, é a força de povos inteiros – uma multidão enorme de gente que vê no jogador da bola a concretização de um sonho e de felicidade inalcançável para quem o vê jogar. É esperança e alegria. E é história.

Olhem para a Holanda de 1974, de Cruyff, uma selecção rock, feita de jogadores que fumavam, que se divertiam. E a estética da geometria variável do Brasil de 1982? Zico, Falcão e companhia pintalgavam a relva com poesia. Ou a “mão de Deus”, de Maradona, irrepetível. Quantas vezes se verá um golo com a mão marcado por um jogador quando a equipa adversária é a de um país com o qual a do primeiro esteve em guerra anos antes?

Como é que isto é só um jogo? Não é filosofia? Como é que não se há-de discutir filosofia? Como é que o futebol se tornou num quadrinho de escritório, matemática dura, coisa séria e matéria para análise? Como é que se gerou essa coisa do resultadismo? Como é que o entretenimento, que é paixão, se tornou tão sério, tão cinzento, tão vazio? Como é que se fala em empréstimos obrigacionistas, corrupção, branqueamento de capitais? Deram-nos cabo da bola. Estão a dar cabo de um povo que já não tinha nada.

publicado às 14:50

O inverno de todos nós

por Nuno Gonçalo Poças, em 12.04.18

Os dados não são novos, mas insisto neles. Em 1960, nasciam 24 bebés por cada mil residentes. Em 2016, nasciam apenas oito. Em 1960, havia em Portugal 27 idosos por cada cem jovens. Em 2011, para cada cem jovens havia já quase 130 idosos. Podia continuar com outros números, mas o significado de uma taxa de natalidade de 1,2 filhos por mulher, uma das mais baixas do mundo, é evidente: Portugal é um País de bengala e não de risos de crianças.

Este País envelhecido ajuda a explicar muitas das políticas fiscais, orçamentais e de segurança social que têm sido tomadas nos últimos anos. Quem governa anseia por continuar a governar e, como tal, tem a natural tentação de satisfazer clientelas. E as clientelas são os idosos, não são as crianças nem os casais de classe média com filhos. É por isso que a Segurança Social tem uma forte tónica na política de pensões e reformas e praticamente desiste do que seriam incentivos à natalidade. Isto reflecte-se, por exemplo, nos valores que os pais pagam às creches. É absurdo que, num País em que cada mulher tem, em média, apenas um filho, uma família de classe média pague tanto a uma creche comparticipada pela Segurança Social como uma família de milionários. Com excepção das famílias mais carenciadas, qualquer casal de classe média, isto é, com um salário per capita equivalente ao salário médio, que ronda os 750 euros, tem enormes dificuldades para ter mais que um filho.

É verdade que há factores sociais, sobretudo nas grandes cidades, que conduzem ao decréscimo da natalidade, como o hedonismo ou o foco noutras coisas que não a família. Mas também é verdade que em estudos recentes se demonstrou que a grande maioria das mulheres portuguesas pretende ter filhos. Com a crescente dificuldade em aceder ao mercado de trabalho e em estabilizar economicamente um lar, é natural que a maternidade seja adiada – o que explica que a idade média das mulheres no nascimento do primeiro filho seja cada vez mais avançada, ultrapassando já a barreira dos 31 anos de idade.

Ana Alexandra Fernandes, demógrafa da Universidade Nova, alertou recentemente para esta realidade, afirmando que toda a sociedade devia proteger o nascimento de uma criança – desde as entidades empregadoras ao Estado na sua dimensão fiscal, de providência ou de mobilidade.

Este deserto demográfico terá, obviamente, consequências devastadoras para a sociedade portuguesa. Seremos cada vez menos, mais velhos e com o Estado mais falido. Incapazes de gerar riqueza, por falta de gente jovem que trabalhe, teremos cada vez mais encargos com pensões e reformas a suportar. É este inverno populacional que nos fará encolher enquanto País e enquanto sociedade. Já não bastava tudo o resto.

publicado às 09:42

Do pato-bravismo

por Nuno Gonçalo Poças, em 14.03.18

O novo-rico é o primeiro rico da família e, ao contrário dos velhos-ricos, sabe bem que foi ele o primeiro não-pobre da sua casa. Aprecia que o tratem por doutor ou por engenheiro, mesmo quando não é doutor nem engenheiro. O novo-rico gosta de carros, relógios e sapatos, geralmente mais feios que bonitos e, quando não gosta, é pelo menos apreciador de mandar toda a gente à merda porque o dinheiro permite mandar à merda como nenhuma outra coisa no mundo. Acham os novos-ricos, como os pequenos-novos-ricos (um género de novo-rico que, já não sendo pobre, não deixa de viver uns degraus acima dos velhos-pobres lá de casa), que na vida tudo se compra e que o que conta é ser mais rico para comprar mais coisas. Portugal investiu muito no novo-riquismo, mesmo contra algumas vontades mais adeptas da velha-pobreza. A direita dos patos bravos viu no novo-riquismo o sucesso do País. A esquerda operária não os suporta, apesar de desejar todos os dias vir a pertencer ao clube dos novos-ricos - sendo que, à esquerda, mesmo um novo-rico nunca é um novo-rico, é sempre um intelectual com massa que pede redistribuição só com o dinheiro dos outros patos-bravos. A direita queque nunca suportou os novos-ricos, dos pequenos e médios intelectuais, da ostentação do material, da pouca cultura e da falta de mundo, preferindo os velhos-pobres de que se recorda mais ou menos pela hora das refeições. A esquerda queque detesta, como a sua irmã queque da direita, o novo-riquismo, que lhe rouba protagonismo, mas abomina também o pequeno-novo-riquismo, os tais homens que, não tendo alcançado o nível financeiro de um pato-bravo, sempre conseguiram comprar, com empréstimo a quarenta anos, um T3 nos subúrbios. Na verdade, nunca ninguém quis saber da classe média, na sua generalidade pequena-nova-rica. Uns optaram por olhar para cima e acolher os patos-bravos. Outros olharam mais para cima, e ligeiramente para o lado, recusando a bandalheira que é o novo-riquismo. Outros olharam para baixo e viram na ascensão novo-riquista uma parolada, glorificando quem nada tinha e rezando para que continuasse a nada ter. Este tomatal de novos-ricos durou mais ou menos vinte anos e acabou quando acabou o dinheiro, para agora voltar com ares mais cosmopolitas e mais gourmet. Ao longo destes anos todos, parece-me facilmente constatável que nunca ninguém quis saber da classe média para nada. Ela, a classe média, se se estabilizou, se ganhou mundo e cultura, se estudou e comprou casa, foi porque se esforçou e porque não se deslumbrou, foi porque teve a coragem de ir mais longe e o medo conservador de não ir tão longe assim. A classe média fez por si porque os novos-ricos fizeram mais ainda por eles próprios. Mérito têm todos, pois sim. Mas era fácil de perceber que um País não constrói alicerces nas areias movediças do pato-bravismo. Perceber a crise é também perceber isto.

publicado às 11:16

Sobre o financiamento partidário

por Nuno Gonçalo Poças, em 04.01.18

Disponível para receber hate mail, a partir de hoje, também no Observador.

publicado às 08:55

Venham de lá os millennials - ou que é

por Nuno Gonçalo Poças, em 08.11.17

Quando se começou a falar desta coisa da Geração Millennials - que não se sabe bem quando começa nem onde acaba - uma das principais características que se lhe apontava era a preguiça. Não sei de onde vem isto, se tem alguma base científica ou não, mas a verdade é que também há inúmeros artigos em revistas estrangeiras que dizem que, afinal, os millennials são workaholics como a geração que os antecede. Como digo, não consigo sustentar com grande convicção uma ou outra teoria. Eu próprio não sei se sou passível de enquadramento nisso dos millennials ou não - talvez a minha idade diga que sim, provavelmente a minha cabeça dirá que não. Não sei.
Mas é certo que se tem formado a convicção, pelo que tenho ouvido de muita gente, de que esta nova geração de miúdos que está a entrar no mercado de trabalho não está para aturar tretas. Talvez seja isso que os mais velhos - alguns tão velhos como eu - vejam como preguiça. Mas se é para não aturar tretas, então devíamos todos aprender mais com esta nova geração de trabalhadores do que com os yuppies frustrados que para aí andam, entre grandes empresas, grandes consultoras ou grandes escritórios de advogados.
Na verdade, não me interessa tanto esta discussão geracional. O que eu estou é cansado de ouvir sempre as mesmas histórias, sempre vindas dos mesmos meios, do mesmo género de trabalhador. Se é para mudar alguma coisa, então que sejamos todos millennials ou lá como se chama isso.
Do que eu estou farto é de gente em estado de burnout - ou síndrome de esgotamento profissional ou que é. De gente que vive presa no trabalho e que não consegue ver mais nada para além disso. De gente que se suicida porque chegou ao fim da linha, porque não aguentava mais. De gente que chora compulsivamente no escritório às tantas da noite porque não vê os filhos há semanas. De gente mal paga, sem vínculos de trabalho, ou precários, como se diz, que vive na aparência do sucesso profissional, do fato e da gravata, de um salário milionário que não existe, de uma carreira que nunca sairá do mesmo sítio, de um estatuto social que é uma ilusão. Estou muito farto de gente que se queixa do manager, do sócio, do partner ou do raio, que entra pelo escritório a apontar para a própria gravata e a dizer "esta merda custou o seu salário". De secretárias destes novos-ricos que são tratadas de "puta" para baixo a toda a hora, todos os dias. De mulheres que não podem gozar férias porque lhes deram o imenso privilégio de ir para casa depois de terem um filho. De mulheres que abortam espontaneamente ou que acabam a gravidez no limite do risco porque continuam, ao quarto, quinto, sexto ou sétimo mês de gravidez, a trabalhar 14 horas por dia. De homens sem direito a licença de paternidade.
E, sobretudo, de gente que diz que isto é mesmo assim, que é a trabalhar que a gente se entende, que é nas quatro paredes e no chão alcatifado, todos os dias aspirado por uma imigrante qualquer que tem outra vida ainda mais miserável, que um gajo se sente feliz e realizado.
Se é verdade que os millennials não estão para aturar isto, então venham de lá os millennials - ou outros quaisquer, alguém que diga que não, que não está para isto. Que não há donos nesta vida, muito menos por um salário de merda.

publicado às 16:23

O fim dos machos

por Nuno Gonçalo Poças, em 14.09.17

É que hoje não se pode dizer nada sem fazer primeiro uma grande introdução só para explicar que não estamos a querer ofender os sentimentos de ninguém. Porque nós, não sei bem quando, passámos a ser uma sociedade que se ofende com tudo e que precisa constantemente de leis, regulamentos, portarias e recomendações governamentais que protejam os nossos sentimentos. Clint Eastwood já chamou a isto uma geração de mariquinhas, mas foi verbalmente espancado porque com isso ofendeu todos aqueles que, como bons mariquinhas, se ofenderam com a designação. Desengane-se quem pensar que isto é uma questão de sexualidade. Não. Há imensos homossexuais que não são mariquinhas. Ser mariquinhas não tem nada que ver com as opções sexuais. Tem que ver com a susceptibilidade, com a fragilidade de quem não devia ser frágil. Não se exige que uma mulher seja mariquinhas, por exemplo. Mas também não precisa de ser um hooligan musculado. Parece até que nos esquecemos que uma das vozes conservadoras mais esclarecidas destes tempos, Andrew Sullivan, é homossexual - que não é mariquinhas. Podia até falar de Orlando Cruz ou de Jason Collins, pugilista e basquetebolista, respectivamente, homossexuais. Não é uma questão de orientação sexual, é uma questão de virilidade, no caso dos homens. Ou de feminilidade, se for o caso. Olhem o caso da Ana Zanatti, uma lésbica feminina, que sabe que uma camisa de flanela não faz dela menos mulher, nem deixa de ser homossexual por ser mulher. É que ninguém larga a cama das pessoas, mas estamos a perder-nos algures. Não sei se já ficou claro que não há aqui homofobia ou outras fobias de cujo prefixo não me esteja agora a recordar - umas porque não me lembro mesmo, outras porque posso até desconhecê-las.
É que a masculinidade está em vias de extinção e agora parece que tudo o que não se sente feminino, não come quinoa ou não se dedica à ingestão de alfaces não arrancadas (para não magoar sentimentos vegetais), não é um homem aceitável. Ir aos touros só não é crime por mero acaso. Ir ao futebol, ao râguebi ou ao boxe também. Já nem há programas de homem. O único programa de homens aceitável parece que é uma sessão de depilação total, sauna, colheita de flores no campo, uma hora de 'running', outra de agachamentos e um delicioso repasto de sementes do bosque, bagas não sei do quê, uma manifestação contra o extermínio de mosquitos nas auto-estradas e um funeral de um frango à porta do supermercado.
Se calhar é tempo de fazer aqui uma nova nota sobre isto.
Não é que o homem deva ser um machista marialvão. Não. Isso é absurdo. É um desrespeito pelo outro, e o outro, para o efeito, é a mulher, que tem tanta ou mais dignidade que nós, seres de pêlos e cérebro mais lento. É um perfeito disparate que uma esmagadora maioria dos homens continue sem participar activamente nas tarefas domésticas. Ou que a única tarefa que sente como sua seja o grelhados, o petisco nos dias de bola e levar o lixo à rua. Ou que os homens continuem a ganhar mais que as mulheres. Ou, se quisermos esquecer coisas que se provam com estatística, que um homem ouça no trabalho coisas como "para que vais tu ao pediatra, se tens uma mulher?". Sinto-me até confortável para falar sobre isto: há anos que digo que, com a excepção da abertura de frascos muito apertados, as mulheres são muito melhores que nós. E acho que com isto consigo fazer todas as ressalvas possíveis para não ser insultado.
(É que agora é preciso não ser insultado.)
Mas quando é que estes loucos mediáticos, esta meia dúzia de gente que se faz ouvir como se de uma multidão se tratasse, começaram a fazer vingar esta mariquinhização dos homens? Ou esta hipersensibilidade que para aí vai, que atravessa sexos, raças, religiões. Já nem sei se isto é uma questão de sexos, mas é de certeza de sensibilidade. Mas desde quando é que somos flores?
No programa que gravou em Salvador, na Bahía, Anthony Bourdain, enquanto descascava um caranguejo com as mãos e os dentes, dizia que uma sociedade que é incapaz de descascar marisco não é capaz de nada, muito menos de se defender seja de quem for. É verdade. Agora é corajoso descascar uma gamba. Comer pezinhos de coentrada é clandestino. Passarinhos fritos só se for onde ninguém consiga ver.
Não é que não custe. Custa tanto ver uma matança de um porco. Custa mesmo. Custa tanto ver um tordo que ainda se mexe depois de levar uma chumbada na cabeça. Custa, sim. Como custa ver como se matam os coelhos, aquela cacetada na nuca, seca, fria. Mas, caramba, quem nunca teve prazer a comer farinheiras que se levante, que se recuse a comê-las, que encha a barriga de sementes de linhaça e, mais importante, que se cale para sempre e não incomode quem sabe que para comer é preciso matar. Acho que é isso que um maluquinho da natureza deve defender. Delicadeza sim, mariquinhas não.
Ah, mas e se começarem a matar pessoas, os outros também se devem calar? Não. Mas matar pessoas não é matar animais. Ninguém mata pessoas para comer - excepto os canibais que, vá lá saber-se como, não existem nesta sociedade ocidental enquanto comunidades aceitáveis. É que as pessoas não são animais.
Agora ia discorrer mais um bocado sobre isto e tentar explicar que as pessoas têm uma dignidade diferente da que têm os animais - que a têm na mesma, mas que é inferior. Talvez não valha a pena.
E aqui chegado, fica só a tristeza profunda de saber que isto agora é assim. A não ser que pegue no carro e saia do perímetro da Área Metropolitana, onde o mundo continua mais ou menos igual - mesmo nas coisas más que tem - mas, apesar de tudo, mais sereno. E menos frágil.

publicado às 10:21

As Cidades

por Nuno Gonçalo Poças, em 09.06.17

A grande maioria veio do campo. Do Alentejo, de Trás-os-Montes, das Beiras. Do pé descalço, da sardinha para três, do piolho. Fugiram da brutalidade da charrua e do arado, do destino miserável e da vida de criadagem. Eles queriam a burguesia, elas não queriam servir. Invadiram as fábricas, os portos, as empresas, as funções públicas. No Barreiro, em Loures, na Amadora, em Almada, em São Domingos de Rana, em Odivelas. O salto foi tão grande que hoje os filhos do êxodo rural só conhecem a vida dos avós se tiverem de facto curiosidade. Licenciaram-se, viajaram, quiseram abandonar os subúrbios dos seus pais e olham como turistas para as terras dos avós. Os pais vão-se reformando. Com vontade de regressar à terra, onde a custo construíram uma casa. Não voltam para ajudar os filhos. O reformado suburbano, nas suas calças vincadas e na sua camisa de manga curta aos quadrados, na sua bata e no seu camiseiro florido, está desamparado e amolecido - eles nas praças a jogar cartas ao ponto, a procurar os jornais gratuitos nos balcões da Caixa Geral de Depósitos, elas na praça, ao peixe, e na cozinha, a fazer tudo para que o mundo não pare. Muitos, já avós, ainda trabalham. São as centenas de milhares de carros que enchem Lisboa de manhã. Que entopem a ponte, o IC19, a A5. Que enchem os barcos, os comboios, os autocarros. Tudo em greve, tudo com perturbações, com atrasos, com mau cheiro, com o ar grave e zangado de quem tem pressa, de quem perde duas horas por dia, muitos dias por ano, muitos anos na vida, neste ramerrame infinito. Os salários, em média nos oitocentos euros, não esticam e fogem quase na totalidade até à primeira semana do mês. Paga a renda, paga a água, paga o gás, paga a luz, paga o telefone, paga o passe, paga o condomínio, paga a prestação disto e daquilo, paga a escola, paga a creche, paga o lar, paga o supermercado, paga os tempos livres, paga os tempos menos livres, paga o tempo, paga a vida. Levantam-se cedo, chegam tarde. E é difícil encontrar creches e escolas e transportes, e o autocarro não veio, o metro não funciona, o trânsito não dá saúde, e o passe é caro e a gasolina também, e a vida que está tão má. Voltar à província, por uma razão que não seja o bucolismo do regresso pacífico de quem espera pela morte, está fora de questão. Talvez por medo, talvez porque muitas vezes ainda vive o passado da terra dura, da esteva e da giesta. Mais depressa vão os filhos e os netos, graças a Deus ignorantes, meus ricos meninos, dar cor e futuro a uma grande parte do País que só agora parece querer deixar de estar espiritual e geograficamente morto. A Lisboazinha já pouco tem de fadistas e de prostitutas de um conto de réis. Pouco se ouve o sotaque realmente lisboeta, do bairro, da viela, de quem carrega nos 'ch' e de quem abre as vogais, como quem diz 'chóriço'. Toda modelada pela pronúncia da televisão, pelo charme de quem conhece o estrangeiro e sabe que isto já não fica atrás de ninguém, a nova Lisboazinha, que já não é aquela Lisboazinha yuppie, de um yuppie com as calças com más bainhas, dos anos 90. Mas continua a ser feita por toda aquela multidão muda, que só parece buzinar, que se acotovela nos transportes, que fala entre si mas que teme os modernos e mais ainda os modernaços. Nas repartições, nas cadeias de comida rápida, nas limpezas, nas forças de segurança, nas secretarias. O País real, como lhe chamam, está lá longe, nas serras e nas planícies. Mas está, em grande parte, aqui à porta, logo depois do Campo Grande, a recolher tabuleiros nos centros comerciais. O País real, caramba, somos nós. Estamos é todos, os mais e os menos auto-julgados evoluídos, os do centro e os da periferia, todos, todos, a fazer de conta que não existimos ou que existimos de outra maneira. Que somos outra coisa qualquer para, sobretudo nesta altura, inglês ver. Como se não tivéssemos todos andado em baloiços de pneu, como se não tivéssemos todos, os da minha geração, comido pão com tuli-creme. Como se isto tivesse deixado de ser uma terra encantadora mas dura. Acho que o Rodrigo Leão explicou isto tudo sem usar uma palavra quando compôs 'As Cidades'.

publicado às 23:37

O que faz falta

por Nuno Gonçalo Poças, em 26.05.17

Não sei em que fase da vida nos podemos dar ao luxo de dizer que ainda somos do tempo em que. Não me sinto nesse direito, apesar de muitas vezes apelar ao meu tempo. No meu tempo isto, no meu tempo aquilo. No meu tempo, com grande probabilidade, aconteciam imensas coisas que se reproduzem, talvez de outras formas, neste tempo que não sendo já o meu, na verdade ainda o é. No meu tempo, por exemplo, ensinavam-nos provérbios. Que devagar se vai ao longe. Que depressa e bem não há quem. Que quem espera sempre alcança. Neste tempo, que é, na verdade, o nosso, já ninguém quer ir longe porque ninguém tem disponibilidade para ir devagar. Neste tempo que é tão nosso, se não há quem consiga depressa e bem, há pressa em encontrar quem o faça. E hoje, afinal, quem espera só se cansa. Começamos nas tarefas diárias, no trabalho, na velocidade dos carros, na rapidez da comunicação. É aqui que ser “do tempo em que” nós dá alguma autoridade moral, mesmo que de autoridade tenha muito pouco e de moral ainda menos. Sou do tempo em que nem toda a gente tinha telefone em casa e muito menos telemóvel. Telefonar a alguém e não obter resposta tinha um só significado: não está em casa. Hoje, se não nos atendem o telemóvel ao segundo toque, o coração palpita. O outro morreu. Ou, pior, o outro não quer falar connosco. Se não nos respondem a um email em cinco minutos, ligamos a pedir respostas e justificações. Atrasamo-nos mais porque estamos a uma mensagem escrita de dizer que estamos atrasados. Saímos mais tarde de casa porque os carros e a sua velocidade compensam o tempo perdido. É tudo cada vez mais rápido, mas temos cada vez menos tempo – e eu estou a tentar fazer com que isto não se pareça com um texto de psicologia reles e barata. O tempo é um recurso escasso, na linguagem dos economistas. O tempo passa a correr. E fico a olhar para o ponteiro dos segundos, na sua lentidão, e um minuto parece uma eternidade. É tudo uma treta. O tempo é escasso, mas não passa a correr. Passamos nós a correr por ele, dirá um treinador mental dos novos tempos que nos fará comer melhor, viver melhor, respirar melhor. Para sermos mais felizes, seja lá isso o que for. Como é que se é feliz a fazer contas, a analisar resultados, sempre preocupado com o sucesso físico e mental, com o sucesso profissional e social? É pouco inteligente, essa coisa da pressa – ou o prazer da velocidade é uma coisa de cretinos, como dizia Nelson Rodrigues. Para quando é que queres isto? Para ontem. Os prazos, as agendas, tudo organizado, tudo controlado com aplicações e plataformas que nos permitem não perder tempo. É que não há tempo a perder, dizem. O raio é que não há. Como é que uma coisa tão luxuosa como o tempo não se deita a perder? Os luxos não são para gozar? Neste tempo, que é o meu e que é o nosso, em que nos queixamos das perdas de tempo, em que lamentamos não saber lidar com a velocidade da comunicação, em que parecemos todos alienados, acelerados, ansiosos, deprimidos, o diabo, o que nos faz falta já não é, como no tempo em que havia tempo, animar a malta. É abrandar a malta.

publicado às 14:29

Comfort food

por Nuno Gonçalo Poças, em 15.05.17

Os livros de auto-ajuda não se tornam um sucesso porque são objectivamente úteis. A livralhada romântica de cordel - dos Biancas e dos Sabrinas aos Chagas Freitas - não vendem porque são genialidades literárias. O trendy, o gourmet, o lifestyle não são o norte da bússola porque as pessoas estão mais delicadas ou sofisticadas. Estes fenómenos servem para nos satisfazermos social e psicologicamente. São a masturbação cool em formato de hambúrguer com rúcula que usámos para esquecer a crise. Mais do que os dados e os indicadores económicos, mais do que a realidade, o lado psicológico da crise foi, talvez, o que mais nos levou ao tapete. Não resultarão, ao que parece, como não resultam as fórmulas "ama-te", "acredita", "vence" ou "limpa o teu corpo". Não será por acaso que, ao mesmo tempo que começámos a beber gin copos com jardins botânicos lá dentro, aumentámos o consumo de anti-depressivos. Faltava-nos qualquer coisa. Primeiro, que se afastasse a nuvem negra dos "tempos difíceis". E isso fez-se com o optimismo pateta de Marcelo Rebelo de Sousa e com a falta de vergonha (nos jornais costuma ler-se "habilidade") de António Costa. Depois os números, mais ou menos sustentáveis, vieram. O défice baixava, o crescimento aguentava-se, as exportações subiam. E os sindicatos não faziam greve. O País estava em "paz social". Este fim-de-semana alguém partilhava uma imagem de Cavaco Silva e Passos Coelho que dizia "já repararam como tudo isto só aconteceu depois de eles terem ido embora?". Isto é absurdo, sim, mas explica tudo o resto. É "comfort food", como agora se diz. Depois da vitória no Europeu de futebol, continuámos sedentos de mais coisas que nos mobilizassem enquanto comunidade, enquanto tribo, enquanto povo; de coisas que nos fizessem disparar a adrenalina e a capacidade de nos comovermos. E o Papa veio a Portugal. Canonizou mais dois portugueses. O Benfica ganhou pela primeira vez quatro campeonatos seguidos. E Portugal ganhou pela primeira vez a Eurovisão. Falou-se em regresso ao Salazarismo e aos três F, como se os três F não fossem muito maiores que o Salazarismo. Como se não tivessem sobrevivido nas pessoas. Importa, na verdade, muito pouco que a dívida continue a crescer, que as contas públicas não sejam sustentáveis, que o Governo esteja a satisfazer todos os lóbis. Todos nós fazemos parte de um lóbi. Estamos todos satisfeitos. Vai correr mal, mas que se lixe. Agora estamos a mostrar que somos capazes de fazer coisas, como na bola. A vingar décadas de noites miseráveis de derrotas, como na Eurovisão. A ver num artigo qualquer num jornal estrangeiro o reconhecimento da nossa grandeza porque nos gabaram os pastéis e as esplanadas. Isto tudo pode ser um circo, se quiserem. Mas parece que o pão é razoável, chega perfeitamente. Podem vir os economistas explicar o contrário. Quem é que, nestes meses, nestes anos, parece querer ouvir falar em números, naquela linguagem que, na realidade, poucos percebem? Portugal está de férias há meses e foi sair à noite este fim-de-semana. Quem é que, no seu perfeito juízo, quer deixar de estar de férias? Como é que se cria uma alternativa às férias? Como é que se explica a alguém que tinha fome e está a comer que é bem capaz de vomitar daqui a pouco? Não se explica. Perceber este fim-de-semana é perceber que a oposição, em Portugal, também está a precisar de ganhar um torneio qualquer, sob pena de ser expulsa do campeonato.

publicado às 11:27

Deixem Fátima em paz

por Nuno Gonçalo Poças, em 13.05.17

Tinha cerca de oito anos quando fui pela primeira vez a Fátima, com um grupo de catequese, a bordo de um autocarro, com uma mochila cheia de comida e algum dinheiro para recordações. Não trouxe de lá nada de relevante, excepto as recordações que era suposto trazer. Depois disso, fui a Fátima praticamente todos os anos, e de lá já não trazia nem lembranças. A adolescência é a adolescência: a idade em que se acredita em tudo, ou em que não se acredita em nada. Eu preferi a segunda. Lembro-me de, ainda criança, me emocionar na missa. De olhar para o Cristo crucificado e ver Nele o homem que tinha morrido por todos nós – incluindo por mim. Com a adolescência, além de ter perdido a capacidade de me emocionar na missa, perdi a esperança na Igreja, em Deus, nos homens. Não sei se não cheguei a perder a esperança em mim, ao contrário do Cristo crucificado que anos antes me fazia chorar. Não me sinto menos católico por isto. Por ter duvidado, por ter sido herege, por ter pecado inúmeras vezes, por não querer saber. Voltei a abrir o coração para Deus, arrependi-me e, em consequência da minha natureza humana, continuei a pecar e a arrepender-me. Ao longo de todos estes anos nunca deixei de olhar com curiosidade e admiração para os peregrinos de Fátima, para todos aqueles que, de joelhos, rezavam à volta da Capelinha das Aparições, dando voltas sem cessar. Hoje volto a vê-los com os meus olhos. Os olhos de quem peca, de quem sofre, de quem tem esperança, de quem tem fé. Os olhos de quem não está sozinho. Haverá muitos motivos que levam as pessoas a Fátima. Haverá até muitos motivos que levam as pessoas a ter fé. Ou muitas razões que levam as pessoas a gostar do Papa Francisco. Há quem olhe para Nossa Senhora, para Cristo, para Deus, como uma superstição, uma fezada. Há, de certeza, muito desespero e uma grande necessidade de sentir que não se está sozinho. Através de Maria chegamos a Cristo; no silêncio do Santuário está também o silêncio de Deus que acompanha quem ali vai. Nestes dias, tenho notado nas elites urbanas algum incómodo com as celebrações do centenário das aparições. A esquerda ateia, claro, não as tolera porque não tolera nada. A direita ateia também não gosta porque vê nas celebrações o comunitarismo e a solidariedade que o seu egocentrismo e o seu individualismo desprezam – e a emoção e a espiritualidade que acham perfeitamente substituível por dinheiro, procurando socialismo em tudo o que não percebe. E alguma direita beata – cheia de jejuns e missas e nojo por quem não tem vinte valores no quadro de honra da perfeição moral – não perde tempo a criticar tudo o que tem envolvido as celebrações porque tem a raiva ao Papa Francisco que os fariseus tinham a Cristo. Os portugueses, ricos ou pobres, mais ou menos instruídos, estão em Fátima, física ou espiritualmente. Estão a emocionar-se juntos, a dar as mãos, a arrepender-se. Com a consciência de que todos somos pecadores, lado a lado com um Papa que nos acolhe a todos sem distinção. Cem anos depois, Fátima resiste: não por causa das lembranças que de lá trouxe um dia, mas porque eu, e muitos, a temos no coração. Deixem-nos em paz.

publicado às 12:15

Condenados à esperança

por Nuno Gonçalo Poças, em 30.01.17

Em Salvador, na Bahía, um taxista perguntava-me coisas sobre Portugal, o “País original”. Tinha visto um documentário na televisão brasileira sobre a “terra dos portuga” e apanhou-me ali a jeito, mesmo ao lado dele, de calção, alpercatas e t-shirt, para tirar umas coisas a limpo. Queria saber, porque não tinha percebido, qual era o nosso motor económico. Queria mesmo. Engasguei-me. Tentei mudar o rumo da conversa e fazer com que o ponto da vergonha fosse o Brasil corrupto e não o Portugal para o qual me falta sempre um adjectivo. O baiano não se deixou intimidar. Queixou-se do PT, das trapalhadas de Lula e Dilma, da desilusão que Aécio tinha sido para ele, que o apoiou, do golpe, da corrupção por todo o lado. Assumiu a sua vergonha e voltou à carga. Em que se sustenta afinal a economia portuguesa? Enchi-me de coragem e disse-lhe que o turismo estava em expansão. Que as exportações não sei quê. Que os têxteis isto, o horto-frutícola aquilo, mas que ainda é deficitário. Que a cortiça e o vinho e tal, tudo a andar. Depois apercebi-me do ridículo que estava a ser e fui directo. Sabe o que é Portugal, senhor? É igual ao Brasil, mas mais pequeno e com menos crime. Rimos. “Eles falam que somos irmãos, mas o portuga é que é o pai, viu? O filho não podia dar certo.” Depois perguntou-me se somos mesmo dez milhões. Disse-lhe que sim, mais coisa menos coisa. E o baiano riu alto. Tinha visto na televisão que somos sempre dez milhões e gritou-me, às gargalhadas, se nós não temos filhos. Engasguei-me outra vez. E balbuciei-lhe qualquer coisa como “nós tínhamos mais filhos antes, já fomos menos de dez milhões”. E o baiano retorquiu: todo o europeu fala que ter filho sai caro, mas todos na Europa tinham mais filhos quando eram mais pobres.” Saímos do Pelourinho. Na via rápida apanhamos fila. O taxista, ainda convencido da superioridade civilizacional portuguesa, afirmou, cheio de certezas, que nós não tínhamos trânsito. E eu respondi-lhe como quem anuncia o trânsito na rádio: trânsito demorado no Eixo Norte-Sul, no IC19, na A5, no túnel do Marquês, na saída para as Amoreiras, na curva do Palácio, no IC20, na A2, na Ponte Vasco da Gama, no Nó de Francos, na Ponte da Arrábida, na A4, na Via de Cintura Interna. O taxista ria-se. E, para desanuviar, lembrou-se de um bolinho que tinha visto no tal documentário. Uma coisa assim redondinha, meio amarela, meio queimada. Um pastel de nata. É isso, pastel de nata. Ninguém diria que aquilo é um pastel. Tem nata? Tem nata. Dizem que é uma especialidade. É, é. Há quem coma com canela, mas eu prefiro sem nada. E a massa é folhada, tem que estar bem crocante. Estaladiça, sabe? E o recheio não pode estar demasiado duro, não pode ser muito cozido, tem de escorrer para os dedos. Isso parece delicioso. O baiano estava louco. Mas nós temos mais. Pastéis de Tentúgal, pudim de Abade de Priscos, travesseiros de Sintra, queijadas, tigeladas, jesuítas, setubalenses. E bolos? E pratos? Portugal é rei na cozinha, baiano do Diabo, queres que te cite só os melhores pratos tradicionais? Não sei se tenho tempo para isso. E o taxista, rindo, quis explicar definitivamente por que razão os portugueses vivem melhor que os brasileiros: quando há trânsito, os portugueses não se zangam porque chegam a casa, comem um desses docinhos redondinhos, meio amarelos, e tudo passa. E nessa altura eu senti que o Brasil é o país irmão que nós merecemos. Vem tudo, como sempre, numa frase curtinha do Millôr Fernandes: o Brasil está condenado à esperança. Portugal também.

publicado às 11:23

O americano médio e os totós

por Nuno Gonçalo Poças, em 09.11.16

Tim Newark escreveu, algures em Maio deste ano, um artigo no Telegraph que me ficou mais ou menos na memória. Dizia que Donald Trump estava a dar um banho de realidade à elite geek. Ontem acabámos de ter essa certeza, mas a elite intelectual ainda não está a perceber bem a coisa. A vitória de Trump não é (só) racismo. É, por um lado, o retrato de um País real que está a sofrer na pele as consequências da revolução digital. Esta auto-proclamada revolução está a ser feita pela elite dos totós e pela alta finança contra as pessoas de carne e osso. Contra trabalhadores, operários, gente normal que tinha uma vida normal e deixou de ter. E é, por outro lado, o retrato de um eleitorado que está farto de conversa da treta, do politicamente correcto e de uma comunicação social que é feita para as elites financeiras, políticas e totós, e que esquece o homem comum. Claro que há racismo. Claro que há ignorância. Mas também há muita desilusão. E há muita gente que está tão farta e que se vê com tão poucas soluções diferentes, que está disposta a apoiar o impensável. No Reino Unido foram 17 milhões. Nos Estados Unidos é o que se vê. Na Primavera, em França, logo veremos. Isto, na verdade, não é causa de nada. São só consequências. O que é mais triste é o facto de não termos soluções. Quem podia estar a assumir um discurso de coesão social, de liberdade, contra o politicamente correcto, pela democracia e contra o "us against them" está absolutamente perdido. Continuam a fazer política como fizeram nos últimos 30 anos. A dizer as mesmas coisas. A fazer as mesmas coisas. E continuam a esquecer que todos os países têm uma esmagadora maioria de gente que é real - não está numa app - e que está a ver a sua vida e o seu pequeno mundo a ruir. A comunicação social continua afastada desta gente, mais preocupada com o futuro da inteligência artificial e com as maravilhas da tecnologia, sem que ninguém pense em maneiras de conciliar este fenómeno com as necessidades das pessoas de carne e osso. Lamentem-se para aí. Têm toda a razão - e eu faço o mesmo. Mas quando forem ao Web Summit lembrem-se disto: há uma larga maioria de gente que não cabe no mundo geek e evoluído que vos está a ganhar uma raiva imensa. E o Pedro Dias, que se entregou, hein?

publicado às 11:24

Não importa que os socialistas tenham governado como governaram entre 2005 e 2011. Porque a esse argumento responde-se não com factos, mas com Durão Barroso e Santana Lopes. Não importa que os socialistas tenham governado como governaram, apesar dos tempos favoráveis, entre 1995 e 2001. A essa evidência responde-se com o fantasma de Cavaco Silva e com a psicologia do "pai do monstro". Não importa que José Sócrates tenha chamado a troika, que tenha negociado (mal) o memorando, que tenha sido o seu Governo a inaugurar a "austeridade" ou que se tenha demitido para não ter de governar em condições que não lhe permitiriam a manipulação psicológica dos portugueses. Porque a esse facto responde-se com a "austeridade má", com os "incentivos à emigração", com o retrato de um País em ruínas. Não importa que o Primeiro-ministro, os membros do Governo e os Deputados da maioria que o suporta mintam todos os dias. Várias vezes, para que ninguém consiga ter tempo de as fazer evidenciar. Não importa que António Costa governe como quem lidera uma associação de estudantes. Nada importa, na verdade. Porque resulta. A psicologia da crise só pesa nos ombros da direita. Houve gente que nunca teve cortes nas pensões ou nos salários que berrou contra a austeridade da direita, passe o pleonasmo, e do "neoliberalismo". Há um mar de gente que não paga IRS que lamenta ter de pagar a crise. Há quem se queixe com razão, claro. Mas hoje queixamo-nos menos. Estamos a ressacar. Não se destrói a narrativa da da "reposição de rendimentos" com factos. Mesmo que as estatísticas, os dados, os números, não batam certo. Nada importa, na verdade. Nós não queremos sair do Euro, mas também fugimos a sete pés das "reformas estruturais". Queremos estar assim, que estamos bem. Não queremos que se combatam os interesses instalados, as corporações, os que vivem encostados à enorme sombra do Estado, porque todos nós somos interesses instalados, todos somos corporações, todos vivemos à sombra do Estado. Não somos um País de comércio - somos um País que, por acaso, também tem comércio. Não somos um País de livre iniciativa - somos um País em que, por mera sorte, existe gente que tem iniciativa e que não espera nada do Estado a não ser que não chateie. Não queremos programas liberais. Queremos que nos deixem sossegados. Do povo às elites lisboetas, só queremos que nos deixem sossegados. A nós e às nossas negociatas. Aos nossos direitos. Não importa perguntar por Arménio Carlos, por Mário Nogueira, por Bagão Félix, por Manuela Ferreira Leite. Eles não voltam tão cedo. Estamos sossegados, a recuperar rendimentos, a gozar a paz social. Não, ninguém quer saber que custos tem essa paz social. Ninguém quer saber se o Metro não anda, se os autocarros da Carris não cumprem horários. Estamos em paz social. Não queremos sequer ouvir falar no que aí pode vir. Novo resgate? O caraças, pá. Logo se vê. Deixa andar, que assim está bom. Se não estiver, olha, logo se vê. Eles é que sabem. O remédio que têm aqueles que, como eu, olham para tudo isto com olhos de bicho assustado e incrédulo, é também deixar andar. Ir dizendo, por descargo de consciência, que o Rei vai nu. Protestar, e tal, sim. Alertar para as incoerências, para as mentiras, sim. Mas que tenhamos a certeza de que grande parte do País não quer saber disso para nada. Não há programa reformista que consiga convencer eleitores. E logo agora, que se percebeu que a direita só volta a governar se tiver maioria absoluta. O que há a fazer é esperar. E poupar. Deixar uns dinheiros de lado, não vá isto dar para o torto. E ir "fazendo oposição" - aquela coisa que, à direita, se assemelha a dar murros nas ondas. Não vale a pena continuarmos a achar que vivemos noutro País. Não vivemos.

publicado às 15:04

PUEC - O Processo Uberizicionário em Curso

por Nuno Gonçalo Poças, em 12.10.16

Eu, apesar de ter uma simpatia estética pelo taxista, não tenho nada contra a Über. Acho lindamente que haja concorrência, que cada um utilize o que quiser e tal, sim senhor. Mas, como já se disse por aí, esta questão não tem nada que ver com ambientadores para carros, motoristas lavados ou carros limpos. Os taxistas, graças à suprema incapacidade do líder da ANTRAL e à boçalidade daqueles que falaram pela classe, não souberam conquistar a simpatia da opinião pública (ou da opinião publicada de Lisboa, incluindo redes sociais). Porque se agarraram à questão corporativa, porque deram a entender que não querem concorrência alguma. Porque um deles resolveu citar Getúlio Vargas e falar de meninas violadas. E, com isto, ajudaram a alimentar a fama de grunho no taxismo e a criar a ideia falsa de que todos os motoristas da Über saíram directos de um episódio da Família Bellamy. Nem oito, nem oitenta e oito.

Enquanto a comunicação social se agarrava ao grotesco Jorge Máximo para que todos se indignassem (ah, a indignação, sempre ela) com os não menos indignados taxistas, um dos profissionais da bandeirada disse à SIC uma coisa tão acertada que nem ele deve ter tido noção da luz na escuridão que significou. "Vocês, jornalistas, deviam estar a nosso favor, que qualquer dia são vocês". Qualquer coisa como isto. E tem razão.

Este fenómeno da "uberização" está a chegar-nos sob o manto do moderno, do trendy, dentro daquela lógica geracional que diz que podemos todos trabalhar com um tablet numa praia no Hawai e ser para lá de felizes, nós e as nossas parceiras sexuais, o nosso gato e o nosso perfil no Instagram. Exactamente a mesma lógica que está por trás do "não sei o que são turistas a mais", quando as cidades pelo mundo fora começam a perder identidade e a tornar-se museus de pedra para fotografar e postar, com cada vez menos pessoas da terra e mais instagrammers vindos de todo o lado do mundo que se estão bem a borrifar para a cultura de povos inteiros.

A "uberização" é uma coisa gira porque, dizem, é um fenómeno de "partilha". Claro. Esta nova economia fancy não quer saber de lucros, quer partilhar - mesmo que uns legitimamente enriqueçam e os outros acabem a contar trocos. Rui Bento, o director da Über em Portugal, diz que representa apenas uma aplicação que quer ligar pessoas - as que se querem deslocar e as que as querem transportar. Eu gostava de acreditar neste lálálá mas não consigo. E esta coisa da economia do futuro, sem patrões e sem trabalhadores, só feita de "parcerias" parece-me um belo lálálá. A menos que alguém acredite, por exemplo, que o Continente e o Pingo Doce foram criados para "ligar" produtores e consumidores, os que querem comer e os que lhes querem dar de comer, esta economia "da partilha" é cantiga do bandido. É capitalismo, sim. Não estão a inventar nada. Estão só a dar-lhe um novo rosto. É gente que cria modelos de negócio e que ganha dinheiro com isso. E que cria "parcerias" com pessoas que precisam de ganhar dinheiro para viver. Sem regras, sem lei. Gente mal paga, que terá de trabalhar cada vez mais horas e a quem venderão a ilusão do "empreendedorismo". A "uberização" não tem nada de errado. Traz concorrência, mais oferta, mais soluções para satisfazer o consumidor. Mas pode não trazer grandes notícias à maioria de nós.

Mas, como em todas as questões, já não há meio termo. Ou estás com os táxis ou estás com a Über. Ou queres correr com os portugueses de Lisboa e encher isto de turistas ou queres encher Lisboa de fadistas e peixeiros e correr com todos os turistas. Ou queres um mercado completamente estatizado ou queres a selva. Eu peço desculpa, mas este maniqueísmo incomoda-me. Eu acredito no mercado livre, mas não gosto de viver na selva. E parece que não há quem represente este sentimento que, julgo eu, é comum a grande parte dos portugueses. Se à esquerda só há quem veja no Estado a solução para tudo, à direita parece que cada vez se gosta mais do salve-se quem puder. A verdade é que descobrir bom senso é hoje mais difícil que encontrar um taxista lavadinho.

publicado às 10:46

A intelectual pornográfica

por Nuno Gonçalo Poças, em 29.09.16

Nos últimos dias, como forma de anunciar o Salão Erótico de Barcelona, foi posto a circular um vídeo que, neste momento, conta com mais de um milhão de visualizações e partilhas pelas redes sociais e pelos órgãos de comunicação social de vários países.

A RTP (que, não vá alguém esquecer-se, todos pagamos) partilhou o vídeo na rede e, através de um texto da jornalista Joana Martins, esclareceu que «num vídeo com 1:30 são referidas todas as incongruências do povo espanhol».

Curioso, fui ver o tal vídeo à espera de ficar pasmado com a coragem de quem denunciava «um País hipócrita». Ao longo dos tais noventa segundos, uma actriz pornográfica dá-nos a conhecer o País que temos aqui ao lado e que, não fosse ela, continuaríamos a desconhecer por completo. O texto é o seguinte: «Chamo-me Amarna Millner. Sou actriz pornográfica e nasci num País hipócrita, em que os que me chamam puta são os mesmo que se masturbam com os meus vídeos. Um país que ama a vida mas que permite que se mate em nome da arte. Um país indignado com a corrupção, mas que continua a votar em ladrões. Um país em que se salvam os mesmos bancos que desalojam milhares de famílias. Um país que se diz laico, mas que oferece medalhas a virgens. Um país que trata os que emigram como heróis e os imigrantes como lixo. Um país em que os que se supõem guardiães da moral podem ser os mais perigosos. Um país onde a prostituição não é legal, mas em que anualmente cresce o número de clientes. Um país que se crê aberto e tolerante, mas um árbitro recebe ameaças de morte por ser gay. Sim, vivemos num país asquerosamente hipócrita, mas não nos rendemos».

Como não ficar estarrecido? Não se pode afundar já Espanha? Como é que um País hipócrita ainda existe? Como é que o Boaventura Sousa Santos nunca se deu ao trabalho de resumir num vídeo tão curto as nossas hipocrisias, que são tão parecidas? Por que é que podíamos ter vídeos tão simples em que os intelectuais porno se manifestavam e andamos a ouvi-los diariamente nas televisões, a lê-los nos jornais e a estudá-los nas universidades? Por que é que a Armarna está vestida? Talvez porque a hipocrisia de Espanha, denunciada de forma tão corajosa por Armarna Miller (ou por quem a pôs a falar), não seja assim tão grande. Vejamos:

  1. «Nasci num País hipócrita, em que os que me chamam puta são os mesmos que se masturbam com os meus vídeos.» Nós também vivemos num País hipócrita. Querem ver? Os que chamam ‘atrasado mental’ a um concorrente da Casa dos Segredos são os mesmos que veem o programa. Os que chamam ‘cabrão’ a um incendiário são os mesmos que passam horas a assistir a incêndios em directo na televisão. Claro que é errado chamar nomes a uma actriz pornográfica. Mas a verdade é que os que se masturbam com os vídeos dela são quem, na verdade, lhe paga o salário. Que lhe chamem nomes é feio, sim. Mas se compararmos a quantidade de gente que chama ‘puta’ a actrizes porno com a que chama ‘mentirosos’ a advogados, percebemos que eu estou claramente em vantagem. E com o meu trabalho ninguém se masturba – julgo eu. Isto não é um País hipócrita, Armarna. É a vida. As pessoas chamam nomes umas às outras. É por isso que precisamos de leis. E de guardiães da moral, já agora.
  2. «Um país que ama a vida mas que permite que se mate em nome da arte.» A intelectualidade pornográfica acha hipócrita que as pessoas tenham mais apreço pela vida de um ser humano recém-nascido que pela de um touro. Não chego mesmo a perceber, pelo texto, se há algum problema em amar a vida ou se o problema é só com matar em nome da arte. A propósito, Armarna, sabes como se chama aquela enfermeira que teve ébola e que viu o Excalibur ser abatido?
  3. «Um país indignado com a corrupção, mas que continua a votar em ladrões.» É uma chatice, eu percebo. Mas o voto livre não é sinal de hipocrisia, Armarna. No limite, é sinal de ignorância ou de comodismo.
  4. «Um país que se diz laico, mas que oferece medalhas a virgens.» Eu contextualizo: Carolina Marín foi a primeira não-asiática a ganhar uma medalha de ouro em badminton. A proeza deu-se este ano, no Rio de Janeiro, e, no regresso a Espanha, a atleta foi a um Santuário, em Almonte, e ofereceu a medalha que tinha ganho à Virgem do Rocio. Armarna não gostou, porque Espanha é laica. Em primeiro lugar, é o Estado espanhol que é laico. Isto significa que o Estado e a Igreja são coisas diferentes, que não se confundem. Não significa que as pessoas que vivem nesse Estado tenham de ser ateias. Hipocrisia é dizer que um Estado é laico quando o que se quer dizer é que todos os religiosos (excepto, julgo eu, os muçulmanos) deviam estar pendurados com uma corda ao pescoço.
  5. «Um país que trata os que emigram como heróis e os imigrantes como lixo.» Vejamos a dimensão da hipocrisia espanhola: segundo o MIPEX de 2015 (o Índex de Políticas de Integração de Migrantes), Espanha é o 10.º melhor País a acolher imigrantes, à frente de países como a Holanda, o Luxemburgo, a Dinamarca, a Itália, o Reino Unido, a França, a Irlanda, a Áustria, a Grécia, a Suíça ou o Japão. Se isto é tratar os imigrantes como lixo, imagine-se a dimensão da hipocrisia na ancestral Holanda.
  6. «Um país em que os que se supõem guardiães da moral podem ser os mais perigosos.» A mensagem aqui é clara e não visa alertar para qualquer alegada hipocrisia: o que interessa é fazer passar a ideia de que os padres da Igreja Católica são pedófilos. Não é por acaso que é filmado um actor a abanar uma batina com as cuecas à mostra. Não se denuncia hipocrisia nenhuma. O que se faz é condenar uma religião pelos seus abusos, depois de o próprio Papa já ter lamentado os casos de pedofilia que ocorreram com membros da Igreja.
  7. «Um país que se crê aberto e tolerante, mas um árbitro recebe ameaças de morte por ser gay.» É verdade que um árbitro espanhol recebeu ameaças de morte por causa da sua homossexualidade. Também é verdade que a sociedade espanhola e estrangeira se uniu para defender o tal árbitro. O comportamento de uns é usado para fundamentar uma alegada hipocrisia de um país com mais de 46 milhões de habitantes.

Na verdade, o vídeo de Armarna Millner é mais que publicidade ao Salão Erótico. É campanha ideológica de relativismo moral e cultural, de ateísmo militante, de progressismo totalitário. A revista Sábado diz que a actriz porno «arrasou a hipocrisia da sociedade espanhola». Em Espanha já ninguém deve dormir, tal foi a dimensão do arraso.

publicado às 17:37

Obrigado, Mortáguas

por Nuno Gonçalo Poças, em 22.09.16

Em 1961, Palma Inácio, Camilo Mortágua e outros personagens que a história rapidamente fez esquecer, desviavam o “Mouzinho de Albuquerque”, um avião da TAP que cumpria a rota Casablanca-Lisboa. O aparelho devia ter aterrado na capital perto das 11 horas, mas acabou por ser utilizado pelos piratas do ar para fazer distribuir mais de 100 mil panfletos revolucionários sobre várias cidades do País. O terrorismo aéreo fez escola em Portugal muito antes de Bin Laden.

No mesmo ano, o mesmo Camilo Mortágua, desta vez sob o comando de Henrique Galvão, tomou de assalto o paquete Santa Maria, onde viajavam 600 turistas a caminho de Miami, e desviou-o para o Brasil. A verdade é que a “Santa Liberdade” não olhava a meios para atingir os seus fins. A nobre missão fora preparada por Galvão e Humberto Delgado, o antigo apoiante da Alemanha nazi, antigo Procurador à Câmara Corporativa no Estado Novo e antigo Chefe da Missão Militar junto da NATO, nomeado por Salazar, nesta altura já mais preocupado em desviar navios.

Já em 1967, a dupla Palma Inácio e Camilo Mortágua (também com a companhia de mais umas personalidades que o tempo tem feito o favor de ignorar) resolveu assaltar a sucursal do Banco de Portugal na Figueira da Foz, de onde roubou mais de 29 milhões de escudos – qualquer coisa como 10 milhões de euros, a preços de hoje. Porque as revoluções não se fazem com filantropos.

Já depois do 25 de Abril, Camilo Mortágua liderou, com Wilson Filipe, a ocupação da Herdade da Torre Bela, a maior área agrícola murada do País. Desta ocupação resultou um documentário realizado pelo alemão Thomas Harlan, um cineasta de extrema-esquerda, que se deu ao trabalho de filmar o quotidiano da “revolução”, sumptuosamente instalado nos aposentos do Duque de Lafões, o real proprietário da Herdade. Graças a essas imagens, temos hoje a possibilidade de olhar para 1975 e perceber o que temos hoje.

Um oficial do Exército em revolução conferiu legalidade à ocupação e ao sonho de Mortágua e Wilson: «Eu acho que, de maneira nenhuma, podem estar ou devem estar à espera que legalmente saia um decreto a dizer que vocês podem ocupar. Vocês ocupam e a lei há-de vir, pá».

Para a história – muito graças às filmagens e à divulgação permitida pelas novas tecnologias – ficou um marcante episódio que envolveu Wilson Filipe e um trabalhador. O “revolucionário” explicava-lhe o caminho para a riqueza através do socialismo. O outro, mais inteligente, só via naquilo uma forma de esbulho e não abdicava da enxada.

A Herdade da Torre Bela era (e é) associada ao 1% da população portuguesa. Ocupar aquilo que era de tão poucos, e que tinham tanto, não tinha outro objectivo para além da redistribuição. O que era de tão poucos passaria a ser de todos. O Duque de Lafões estava a acumular em excesso, pelo que era necessário redistribuir pelos que pouco ou nada tinham.

Nenhuma daquela gente ficou menos pobre com a ocupação. Camilo Mortágua, em 1978, acabaria por aviar a trouxa e seguir a sua vida, reconhecendo o fracasso que fora a experiência. Não funcionou. O Duque de Lafões tinha ficado sem a Torre Bela; os ocupantes continuavam com o que tinham antes da ocupação. Camilo Mortágua, em 2005, afirmou ao Correio da Manhã que “não é possível fazer vingar uma experiência numa sociedade que caminha noutro sentido”. A experiência estava a vingar, a sociedade é que não estava a seguir a mesma linha. Mariana Mortágua, a filha do terrorista que a comunicação social continua a tratar como um “revolucionário romântico”, preocupa-se por estar “a dizer coisas que as pessoas não entendem”. Ninguém percebe os Mortágua. Nem mesmo quando se está a falar só de 1%. Dos ricos. Dessa gente que tudo tem. E que é preciso arruinar.

Recentemente, em 2011, Camilo Mortágua dizia ter “muito receio que à juventude de hoje não tenhamos sido capazes de transmitir a experiência do passado”. Como sempre, acredito que também aqui estava errado. Nós aprendemos com a experiência do passado. Tal como as gentes do passado aprenderam com essas experiências. O País, na sua grande maioria, percebeu que é a quem tem muito que se exige que contribua mais. Mas também percebeu que não se lhes deve exigir ao ponto de ficarmos sem eles, porque não ganhamos nada com isso. Percebemos que o roubo ao 1% significaria, mais tarde ou mais cedo, o roubo aos 99%. Até ao dia em que tudo fosse do Estado. Em que tudo fosse da Revolução – assim, com maiúscula.

Mariana Mortágua aprendeu com o pai. O resto do País também.

publicado às 21:24

A moral e o dinheiro

por Nuno Gonçalo Poças, em 08.06.16

É verdade que a esquerda intelectual (perdoe-se a redundância) não gosta do capitalismo e odeia o lucro. Primeiro, porque são intelectuais e os intelectuais sabem mais que todas as outras pessoas juntas. O intelectual, ainda para mais de esquerda, sabe mais que um empresário, por exemplo. E sabe perfeitamente o que é melhor para cada um de nós. E o lucro é detestável, na medida em que a esquerda intelectual vê em tudo um conflito entre opressores e oprimidos, entre explorados e exploradores, e não consegue enquadrar determinados factos da realidade social. Para a esquerda, uma derrota nunca é uma derrota. A vitória de alguém é sempre conquistada graças a um roubo a outrem. É a transferência deste para aquele. O ganho de um é obrigatoriamente a perda de outro. Roger Scruton, em “As Vantagens do Pessimismo”, desconstrói esta argumentação melhor do que eu alguma vez faria, e Ludwig von Mises, em “Acção Humana”, mostra-nos o caminho.

Na economia de mercado, tudo aquilo que é comprado e vendido em termos de moeda tem o seu preço estabelecido em dinheiro. É natural que se consiga determina, monetariamente, quanto ganhou ou perdeu um indivíduo e tal não significa que isso tenha sido conquistado à custa de outro. Mais, esta constatação não nos permite avaliar o aumento ou a diminuição de satisfação dos indivíduos. De facto, lucro procuramos todos. Lucro financeiro, lucro social, lucro pessoal. O lucro não é perigoso. Pelo contrário, é o que nos move a todos. O lucro é, no fim de contas, a satisfação. Perigosa é a obsessão pelo lucro económico. A incapacidade de olhar a meios para atingir esse lucro. A sociedade ocidental tem os olhos postos no consumo, no dinheiro, no trabalho, na renda. O objectivo final é poder comprar e ter coisas. Para tanto, é preciso ter dinheiro. E para ter dinheiro é preciso trabalhar.

Não me interpretem mal. Eu gosto de ter coisas, gosto de ganhar dinheiro e gosto de trabalhar. Mas também me julgo capaz de viver com menos e de ter menos coisas, se viver com muito e ter muitas coisas me roubar coisas imateriais que considero essenciais. Não caio no erro de considerar que o dinheiro é dispensável, que o trabalho é todo igual ou que consumir é abominável. Mas acredito no bom senso e na modéstia.

A história é antiga, mas ouvi-a recentemente pela voz do P. Carlos Azevedo Mendes. Conta-se que um professor universitário levou para a sala de aula alguns objectos com os quais pretendia apresentar aos seus alunos uma experiência que se assemelhava à vida de cada um. Os objectos eram: pedras grandes, pedras pequenas, areia, água e uma garrafa de vidro com boca grande. No início da aula, colocou uma pedra grande dentro da garrafa e perguntou aos alunos se ainda cabiam mais. Face à resposta positiva, foi enchendo a garrafa com as pedras grandes até que não coubesse mais. Depois, foi deitando pedras pequenas e areia na garrafa, que lá cabiam nos intervalos das pedras grandes. No fim, despejou a água dentro da garrafa. Coube tudo. E perguntou aos alunos o que significava aquilo. Um aluno respondeu que há sempre tempo para tudo, mesmo quando achamos que temos tempo para mais, conseguimos sempre arranjar mais algum. E o professor esclareceu: o que lhes queria, de facto, demonstrar era que, na vida, algumas coisas devem ter prioridade; que se tivesse primeiro enchido a garrafa com água e depois com areia, já não restaria espaço para as pedras grandes ou, se restasse, a água transbordaria. E o leitor pergunta agora: e o trabalho? E o dinheiro? São água e areia. Se as nossas prioridades não forem o trabalho e o dinheiro, cabe tudo nas nossas vidas.

O que tem isto a ver com o capitalismo e o lucro? Tudo. O capitalismo e o lucro não têm nada de errado. Nada. Mas sem moral, sem dignidade e sem fecundidade, não há capitalismo algum. Fica só a selva.

publicado às 18:00

Parem de tocar a sineta

por Nuno Gonçalo Poças, em 03.06.16

Um indignado é aquele que demonstra indignação, isto é, um sentimento de fúria ou desprezo provocado por algo considerado ofensivo, injusto ou incorrecto. Ao indignado, segundo as correntes regras de vida, responderá sempre uma desculpa, um baixar de olhos, uma mão a bater no peito em sinal de arrependimento. E, logo de seguida, nova indignação.

Uma pesquisa rápida no Google por "indignação e redes sociais" indica-nos, só em língua portuguesa, 508.000 resultados, maioritariamente vindos de ligações de páginas de media ou similares, o que exclui desde logo toda a densa floresta que são as redes sociais. Tudo serve para a indignação transformada em desporto nacional. Da cadela de Maria João Bastos a casos de violação no Brasil; das afirmações de José Cid sobre trasmontanos numa entrevista de paródia aos escritos de Henrique Raposo sobre algarvios ou alentejanos; de José Rodrigues dos Santos à Marta Melro, que desconheço quem seja, mas que foi ontem alvo de uma "onda de indignação nas redes sociais" por ter chamado "anjinho" a um animal e que hoje já se veio mostrar "de luto pelos humanos".

A indignação, no mar de informação em que vivemos, não conhece distinções. A indignação contra a morte de um animal de estimação pode ser tão ou mais dura que a indignação causada por uma violação. Vargas Llosa tem razão quando diz que desapareceu uma instituição que, no passado, cumpria uma importante função na vida cultural e política: a crítica. Nas redes sociais, acarinhadas por um jornalismo preguiçoso, não há valoração de informação, não há uma distinção clara entre o essencial e o secundário.

A imprensa podia estar a desempenhar esse papel, mas, indolentemente, não está. Os jornais, instrumentos fundamentais ao exercício das liberdades, estão a alimentar uma sociedade onde impera a censura, já não pela mão do Estado, mas pela mão de cidadãos ávidos por um escândalo, desejosos de ter algo que defender com unhas e dentes, pouco tolerantes a opiniões diferentes. Pouco tolerantes, até, ao humor. Porque o humor ofende – e nós não temos capacidade para tolerar a ofensa – e a liberdade tem limites – e nós temos os nossos limites cada vez mais apertados.

Pavlov treinou cães para que estes salivassem sem comida por perto. Sempre que os cães eram alimentados, Pavlov tocava uma sineta. Com o tempo, os cães passaram a salivar só de ouvir a sineta, mesmo não tendo comida. Naturalmente, isto não significaria que os cães salivassem eternamente sempre que ouvissem uma sineta – o reflexo não é infinito. O que nós estamos a precisar, neste momento, é que parem de tocar a nossa sineta.

 

publicado às 15:30

Prevenir pelo exemplo

por Nuno Gonçalo Poças, em 27.05.16

Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna, mais de 26.700 pessoas foram vítimas de violência doméstica em 2015. Nesse contexto, foram assassinadas 29 mulheres. Um estudo da União de Mulheres Alternativa e Resposta concluiu que mais de um quarto dos jovens considera normal a violência psicológica, cerca de um terço dos rapazes julga legítimo pressionar a companheira a ter relações sexuais e um número diminuto mas revelador entende que o recurso à violência física é natural, desde que não deixe marcas.

Estes números não são de hoje, os estudos não são da semana passada, as mulheres não foram assassinadas ontem, nem esta crónica vem sequer no seguimento daquele programa televisivo em que a Deputada Catarina Martins foi filmada a tentar proteger uma fictícia vítima de violência no namoro. Nem mesmo apesar desse programa o tema está na ordem do dia. Mas devia.

Ainda somos o País onde se acha que "ela estava a pedi-las", que "o coitado estava com os copos" ou que "ele não é violento, tem só um feitio especial e é um bocadinho ciumento". É muito aquela coisa da "coutada do macho ibérico", legitimada por um tribunal há uns anos. Ainda temos tendência para desculpar a violência. Para arranjar desculpas "sociológicas" para a bordoada.

Não sei se há – ou se pode sequer haver – algum lado politicamente correcto neste assunto. É verdade que o recurso a expressões como “femicídio” me parece ligeiramente absurdo, sim. Mas não é politicamente correcto dizer que as mulheres são as principais vítimas de violência doméstica. É verdade. A mais pura das verdades. Mais absurdo que utilizar a expressão “femicídio” é vir reivindicar para os homens uma igualdade que, nesta matéria em concreto, não existe. Elas são mais vítimas que nós, ponto final.

Também não sei se vale sequer a pena teorizar sobre as raízes do mal ou tentar associar este tipo de comportamentos a determinado grau de escolaridade, a certo nível de literacia ou a problemas geracionais. Não creio mesmo que valha a pena. Afirmar que a violência doméstica é uma realidade rural é contrariar os dados – o maior número de vítimas é proveniente da Área Metropolitana de Lisboa. Também não é uma realidade directamente relacionada com o alcoolismo ou com parcos rendimentos. Será, talvez, uma realidade histórica, no caso das vítimas mais velhas, de domínio do macho sobre a fêmea equiparada a coisa móvel; será, também talvez, uma realidade de uma nova geração habituada a reivindicar direitos e que não conhece o respeito, a responsabilidade e o cavalheirismo. Não sei. Há quem diga que o cavalheirismo é coisa do passado. Mas os do passado também se prestam à pancada.

Parece-me, enfim, desnecessário (tentar) teorizar sobre as causas do fenómeno. Mais importante será educar os que já vieram ao mundo e aqueles que estão para vir. Ensinar-lhes o valor do respeito pelos mais velhos, da cordialidade e do bom senso. Explicar a quem ainda pode aprender que os homens e as mulheres se respeitam. E ter especial atenção com os rapazes. Os novos pais deviam ensinar, através do exemplo, que a mãe, a avó, as tias, as sobrinhas, se tratam com respeito e amor. Mesmo que elas sejam umas chatas – ou, aqui e ali, umas bestas. É também por aqui que se previne a violência doméstica. Pela estabilidade familiar, pelo amor fraternal entre marido e mulher, pelo exemplo que os filhos vêem em casa. Um filho que aprende em casa, com o pai, como se trata uma mulher, dificilmente será um agressor no futuro. Um filho que vê no pai um exemplo de dedicação e de respeito para com a sua própria mãe, seguirá esse exemplo. É só preciso que os pais tratem as suas mulheres da forma como elas merecem ser tratadas: com a certeza absoluta de que elas são, na maioria dos casos, melhores que nós em tudo, com a excepção que a abertura de frascos constitui.

publicado às 18:24

Saloiaria

por Nuno Gonçalo Poças, em 20.05.16

Viver já não é aquilo que deve ser. Não é um prazer ou uma tristeza. Não é um conjunto de experiências quotidianas, de alegrias e de privações, de sabores e de emoções. Não. Viver agora é seguir o lifestyle. Sair do trabalho e, em vez de mudar de roupa, trocar o outfit de casual friday por um workout e correr para os braços do personal trainer que nos espera no health club. Transpirar muito numa aula de crossfit, de TRX ou num bootcamp - aquelas coisas que antigamente os rapazes faziam enquanto cumpriam serviço militar - por umas dezenas de euros mensais. Para relaxar, o melhor é deixar de comer iogurtes e passar a comer froyos. Poupamo-nos ao slunch, que já foi um lanche ajantarado, para termos mais fome no dia a seguir à hora do brunch, que já foi um pequeno-almoço reforçado. Os outfits, esses, vão mudando à medida das exigências do dress code. É aí que percebemos que o black tie, o vintage cool, o garden chic, o hippe chic e o casual chic - que não é o mesmo que o outfit de casual friday - nos deixam dúvidas. O melhor é optar por um mix. Fazer uma daquelas coisas que toda a gente sempre fez (misturar peças mais caras com outras mais baratas) e explicar ao mundo que se fez um chiquíssimo high-low. Depois o melhor é não ir a terraços, mas a um terrace ou a um rooftop e aproveitar aquela sunset party ou aquela gin sunset party num ambiente chill out, para não maçar. Enquanto não se janta, vai-se a um winebar ter um chat com outros winelovers. Depois há que experimentar uma hamburgueria, uma pregaria, uma bifanaria ou uma outra qualquer porcaria. Se não houver healthfood, bom, bom, é ir ter uma experiência de livecooking ou de foodporn. E passar o fim-de-semana num charm hotel. Ou pagar duzentos euros por noite para ter a fantástica experiência – antigamente exclusiva de sem-abrigos e agora mais democratizada e cara – que é dormir ao relento. Com tudo isto, gastar um salário. Comprar experiências, para viver o que não se vive genuinamente. E usar a rede social mais próxima para fazer dela uma revista cor-de-rosa democratizada. Onde todas as vidas sorriem. Onde todos são felizes. E modernos. E fashion. E trendy. Não, meus caros, nós não somos mais cosmopolitas do que os nossos pais que vieram para Lisboa directamente do sopé da serra. Podemos ter viajado mais, podemos ter estudado mais, podemos saber mais coisas que eles. Mas não estamos a inventar nada. Estamos só a dar um ar novo a um mar de coisas que existem há décadas. E isto não é nada fantástico. Não é amazing, nem top. É, no máximo, um novo-riquismo desavergonhado, passe o pleonasmo. Uma saloiice que já não usa lenço na cabeça mas que é, ainda assim, uma saloiice.

publicado às 14:53






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