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Este trabalho tem sido feito de forma discreta, mas eficaz. A crise tornou-o mais visível e sem disso termos dado conta, está presente em múltiplos sectores da nossa sociedade: bancos alimentares e de distribuição de vestuário, assistência a toxicodependentes, creches, lares de acolhimento e permanente assistência de idosos, grupos desportivos, enfim, uma grande diversidade de acções promovidas e garantidas por grupos católicos organizados pela hierarquia ou que foram surgindo da iniciativa de portugueses interessados em ajudar quem deles necessita. Anteontem, uma reportagem RTP que nos deu a conhecer um grupo de padres que jogam futebol nas horas vagas, vencedores de um campeonato internacional e congregadores de equipas de jovens paroquianos. Ontem, a notícia de uma concentração de motards que para espanto de muita gente, contam sempre com a presença de um sacerdote distribuindo bênçãos e água benta. Hoje mesmo, a divulgação de um grupo que se dedica à assistência aos reclusos nos estabelecimentos de detenção da zona de Leiria.
À maioria poderá isto parecer como marginal, anedóticas notas de rodapé informativo e sem qualquer importância numa sociedade fortemente laicizada, objecto de todo o tipo de mensagens que indicam a igualdade das religiões como primícia que consubstancia o próprio regime. Este é um evidente disparate, um pobre verniz que não resiste a um olhar mais atento. De facto, as aparências iludem, pois a igreja continua a estar muito presente e ao contrário do país de naturalização do Sr. Valls, a histeria laica é por aqui bastante comedida e circunscrita a um punhado de zelotas sem real peso nacional. Se partidos como o PPD, CDS, PPM e MPT nem por sombras alguma vez se atreverão a qualquer tipo de crítica ácida, mesmo o PC conhece melhor que todos os seus competidores eleitorais, o que representa a igreja católica em Portugal. A partir dos acontecimentos de 1975, como por milagre terminou a sua momentânea verve anti-clerical. É um partido com uma longa história, é a associação política mais antiga do país, temporalmente apenas ultrapassada pela Causa Monárquica. Restam-nos então umas escassas dúzias de excitados no partido do Largo do Rato - sem que entre eles se contem dirigentes à imagem de Afonsos Costas de outros desastrosos tempos - e uns poucos marginais desmiolados do género bloquista, enfileirados em grupúsculos que se vão revezando a cada década.
Os principais monumentos nacionais são igrejas, conventos e mosteiros. Os soldados continuam a contar com capelães. As vilas e aldeias ainda batalham pela permanência ou substituição deste ou daquele padre. Fátima é reverenciada como jamais o foi durante a 2ª República, beneficiando claramente da projecção mediática, precisamente da tecnologia e da ciência que segundo a esperança de alguns, varreria a crença. Não há dia em que a televisão não faça o país cair de joelhos diante do Papa Francisco, centro de toda a atenção de gente como Soares, Marcelo, Moreira e outros bem-aventurados comentadores da coisa pública. Nuno Álvares é beatificado e Portugal estoura de orgulho, lutando todos os canais televisivos pelo maximizar dos tempos de antena. O Cardeal-Patriarca pode sempre contar com a máxima projecção informativa, mesmo que esta parta das emissões da RTP. Tal como muitas freguesias, os hospitais públicos têm nomes de santos. Não existe cerimónia oficial que não conte com a presença de prelados da hierarquia e é ainda hoje impossível imaginarmos qualquer tipo de exigências acerca do fim do toque de sinos, o impedir de procissões desfilando ruas fora, ou a não celebração do Natal e da Páscoa.
Este Estado é muito antigo, possui uma solidez dificilmente contestável. Portugal tem sabido enfrentar todas as ameaças que parecem demasiadamente poderosas noutros países europeus. Apesar do escasso número de praticantes, os portugueses têm a consciência daquilo que a identidade católica representa na coesão nacional e do Estado. Se, tal como eu, a grande maioria apenas conhece o Pai Nosso e a Avé Maria, isso não quer dizer verificar-se no nosso país aquele catastrófico vácuo em que aparentemente caiu a França. Em suma, por cá não existe qualquer lugar a preencher por outros. Tal como nós, eles também conhecem a realidade. Para que conste.